10 Considerações sobre A Liga dos Corações Puros - A Chama, de César Dabus, ou por que ouvir o riff

O Blog Listas Literárias leu A Liga dos Corações Puros - A Chama, de César Dabus publicado pela editora Chiado; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Uma coisa é certa, A Liga dos Corações Puros - A Chama é leitura que não se vê com facilidade por aí, seja em publicações tradicionais ou mesmo no underground, e como promete o autor "é livro mais louco" e com a pegada de rock and roll que da obra espera-se, construindo uma parada como que se Paulo Coelho e Raul Seixas em vez de escreverem músicas juntos, tivessem feito um livro, que nesse caso foi escrito por Dabus retomando certa busca espiritual do movimento hippie e sob os pesados acordes das guitarras e a pancada das baterias;

2 - Mas nos atenhamos primeiro a essa lembrança de nomes do rock brasileiro e daqueles tempos entre os anos setenta e oitenta. Há nessa publicação a estranheza e o experimentalismo daquela época. Experimental talvez seja de fato a melhor palavra para este curioso romance, pois essa é sua natureza e com todos os riscos que o autor assume correr. Nele nos deparamos com uma cósmica, psicodélica e fantástica viagem por todo o universo, aqui traduzido no interior de seu próprio protagonista, Zaksor;

3 - Em sua dedicatória em nosso exemplar, o autor pergunta-me "quem é você, um ser ou um condicionamento?" Pois este questionamento sintetiza a grande batalha existente na obra, a luta entre o ser e o ego, o eu, este último, na perspectiva da narrativa, o lado sombrio a mercê de todo e qualquer condicionamento (aqui abro um parenteses para propor um debate acerca do que é condicionamento e o que é constituição, pois toda a construção social é bem verdade possui suas ferramentas de condicionamento, mas também de constituição. A cultura é condicionamento ou constituição? Ou ambos? o rock, aqui como elemento revolucionário, por vezes ele não assume também o papel de condicionamento?);

4 - A bem da verdade, partindo da música, o rock, como fonte de auxílio de libertação, trazendo com isso muita referência deste gênero musical, o autor parte para uma verdadeira jornada filosófica estabelecendo especialmente duas frentes de batalha, o indivíduo em sua essência e espiritualidade diante dos diferentes condicionamentos sociais, do sistema que aprisiona e o enche de regras;

5 - De certo modo a narrativa ecoa o grito sufocado do indivíduo preso a um sistema autoritário, dominado por um ego que precisa agir de acordo com as regras da sociedade e não de acordo com os sentimentos sussurrados pela espiritualidade através do coração. Esse é o grande embate de Zaksor sua banda de rock cósmica em seu próprio cosmos, que aproveitando-se da própria característica do gênero musical, pretende-se revolucionário em sua busca por uma liberdade utópica. Pelo ser.

6 - E tudo isso ocorre, portanto, através de uma metáfora plena, por meio de um universo cósmico criativo e linguagem figurada e recortada que também nos remete às experimentações do modernismo brasileiro. Isso porque toda a viagem transcendental a que propõe-se a narrativa, está presente na linguagem fosca que utiliza para seu filosofar;

7 - É por isto uma leitura com suas dificuldades, e também com suas provocações e reflexões ao debate. Temos aqui a criação de certo antagonismo na sociedade e o mesmo autoritarismo a que se rebela a narrativa, acaba sendo praticado em seus momentos de certo binarismo. Aqui a sociedade, o coletivo humano é uma atroz inimigo e dele parece sobrar tão somente condicionamento que nos impede de ser. Todavia, a liga dos corações puros possui lá seus ritos e exigências e sua filosofia, de modo que haverá algum condicionamento nisso. Além disso, talvez a questão mais discutível esteja na própria noção de pureza alçando o individuo que transcende a uma certa superioridade do que os zumbis condicionados. Essa é uma questão que torna as utopias distantes, pois que há algum tempo temos discutido que a noção de pureza é uma ilusão, mais própria dos fundamentalismos, já que somos constituídos de diversas matizes de cinza (numa perspectiva George Martin, não E. L. James, esclareça-se);

8 - Do mesmo modo, haverá na jornada de Zaksor flertes com muitas ideias do controverso futurismo, pois que haverá nesta jornada espiritual deificação da guerra como instrumento de purificação, isto visto nas ações e nos combates travados pelo protagonista até sua elevação. Isso não é bom ou ruim, apenas exigirá do leitor compreender qual sua posição quanto a isso em termos filosóficos e culturais, sendo este que vos fala um pouco mais crítico a tais questões, já que a mim o ser parece estar muito mais ligado às melodias que evoquem o pacifismo e a constituição pelo diálogo, não pelo combate;

9 - Vale dizer que embora seja uma narrativa cheia de atrativos, sua extensão e sua permanente condição de debate - embate - filosófico entre o eu e o ser, muitas vezes caindo no prolixismo, no avançar da leitura poderá em determinados momentos tornar-se um pouco enfadonha e repetitiva. Lógico que há um há de ser nisso, pois reforça certa angústia representada na busca, ainda assim pode causar tal efeito. Além disso, ainda que poucos e pontuais, alguns probleminhas de revisão não passam despercebidos;

10 - Enfim, o livro é o que promete: uma jornada intensa, marcada pelo lirismo e pela metáfora de sua prosa. O ser aqui é todo um universo cósmico que move-se pelo ritmo do rock que a seu modo é mais atual do que nunca, em que busca resgatar ou mesmo levantar novamente a bandeira da espiritualidade existencial, aqui utopicamente como as chaves para a liberdade. É uma narrativa pouco usual, por isso, muito rica e interessante. Em termos de originalidade, não encontra muitos paralelos na presente safra de publicações. É de certo modo uma viagem visual e espiritual, num livro que desempenha o principal papel de uma publicação: estimula o debate e a reflexão. Por fim, para encerrar, vale dizer que a este leitor algumas questões estão postas para a discussão. Zaksor em sua jornada é basicamente por suas revoluções espirituais focadas muitas vezes na centralidade de seus sentimentos, traduzidos pelos sussurros do coração, entretanto, apaga-se aí que o somos também por tudo aquilo que nos rodeia, mesmo os elementos de condicionamento, os quais retrabalhamos internamente. Mas tal debate seria atividade para outro espaço, de maiores possibilidades que este post.





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