10 Considerações sobre Belas Adormecidas, de Stephen e Owen King, ou sobre a revolta das amazonas

O Blog Listas Literárias leu Belas Adormecidas, de Stephen King e Owen King (seu filho) publicado pela editora Suma; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Com o ritmo vertiginoso dos thrillers (que demandam voracidade de leitura mesmo em mais de 700 páginas), os acontecimentos sobrenaturais e assombrados do fantástico e com seu desfecho um tanto moralizante quanto os contos de fada nos quais bebe, Belas Adormecidas é adrenalina do começo ao fim, puro entretenimento que entre um lampejo e outro é capaz de tocar em algo latente: o conflito cada vez mais polarizado entre homens e mulheres;

2 - Para adentrar esta temática polêmica e conflituosa, King, pai e filho, partem do velho conto d'A Bela Adormecida para construir um suspense já bem característico de Stephen, fazendo com que todas as mulheres do pequeno Condado de Dooling (e do mundo) caiam em sono misterioso e profundo (envolta por casulos) enquanto as poucas mulheres que resistem, a estranha Evie Black (única não afetada) e a grande maioria dos homens que restaram na cidade começam a travar uma verdadeira guerra;

3 - E o fio condutor de toda a fantasia narrativa dá-se a partir da hostilidade histórica da sociedade para com as mulheres, de modo que ao "abandonarem" o mundo aos homens por causa da misteriosa doença Aurora, iniciam uma espécie de revanche ou revolução, da qual Evie parece ser porta-voz e espectadora do caos que avança linearmente e com consistência quando as mulheres caem no sono. Nesse sentido, por meio de reflexões rápidas de determinadas personagens, a opressão por qual passam as mulheres vai saltando aos olhos dos leitores;

4 - Podemos dizer que a obra não deixa de refletir estes nossos tempos polarizados, em que alguns dos combates que dá-se nos diferentes campos de enfrentamento social é o justamente entre mulheres e homens, pois é chegada a hora de darmos basta aos séculos de machismo e opressão às mulheres. Nisso quero dizer, que a Aurora (doença do livro) é como se fosse uma grande metáfora da chegada ao auge do “conflito” em que a relação entre homens e mulheres chegou a um desgaste tão grande de que o confronto torna-se o último estágio de luta. E isso vai sendo trabalhado até com certa exaustão, e diga-se aqui, com a própria compreensão de que se trata de uma obra de autoria masculina, o que provavelmente poderá gerar também debate, pois estamos numa área sensível e complexa que na obra, logicamente é tocada superficialmente, mas o que não tira a força da mensagem;

5 - Aliás, em muitos dos trabalhos de Stephen King podemos encontrar o valor literário mais a frente de seu poder de entretenimento, o que não parece o caso desta obra, embora seu elemento social presente tão relevante e em voga nas discussões de hoje. Aqui, ainda que passe a mão por uma série de coisas complicadas e complexas, temos visivelmente uma atração voltada para o entretenimento, pois além de permanecer na camada de base, as principais discussões, a personagens aqui soam um tanto caricatas (ainda que estejam no espectro social das personagens de Stephen) e rasas, sendo que a própria trama parece elaborada para o show televisivo, onde aprofundar a reflexão, via de regra não se concretiza;

6 - Além disso, para o que se propõe a trama, o livro ao final é como se perdesse ele mesmo uma aposta com Evie Black, pois numa obra que pretende falar de séculos de opressão e hostilidade da testosterona, a obra acaba entregando aquilo que os homens nessa guerra perdida e cega desejam: adrenalina e ação sem qualquer pensamento crítico, de modo que se estivéssemos dentro da Dooling de Belas Adormecidas, estaríamos bem ferrados, até porque, como o próprio livro reforma, uma sociedade só de amazonas, poderá levar a raça humana adiante e recomeçar, do contrário, um mundo só de homens, se extinguiria em parcas décadas;

7 - Também vale dizer que por se tratar de uma obra conjunta fica difícil dizer qual autor se sobrepõe, todavia um parece ter de apagar-se um pouco mais. É o caso de Stephen, reconhecemos ele no romance, ao mesmo tempo que não reconhecemos, o que é bom porque trata-se afinal de uma obra Stephen-Owen. O resultado desse conjunto é uma narrativa dinâmica, bastante envolvente mas que trata com certa superficialidade as questões centrais abordadas no romance, todavia o que não tira os méritos de mesmo numa obra voltada à diversão, ali no fundo ter algo para pensar;

8 - Assim, ao leitor que privilegia a ação espetacular e o sobrenatural com imagens fantásticas e surreais, como não poderia deixar de ser, terá o que procura, em páginas fortemente marcadas pelo surrealismo do mundo onírico mesclado com a barbárie sangrenta e violenta do "mundo dos homens";

9 -  Tudo isso constrói um jogo interessante e que possibilita diferentes leituras, além de ter o mérito de levar ao leitor que busca apenas entretenimento a ponta de um grande iceberg a ser debatido e discutido em todo o conjunto da sociedade, uma mensagem que até poderia ser ainda mais forte, não pendesse em muitas partes para a naturalização de nossas perversidades e maldades, pois ao fim todos parecem sair derrotados, especialmente com o silêncio e a forma de agir que se apresentarão na parte final do livro;

10 - Enfim, independentemente de seus objetivos e compromissos como leitor, Belas Adormecidas é uma boa pedida, pois com seu jeitão de blockbuster ou série de televisão, é capaz de atrair uma grande parcela de leitores.



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