10 Considerações sobre Salinger, ou como se tornar tão presente sendo um recluso...

O Blog Listas Literárias leu Salinger, a biografia escrita por David Shields e Shane Salerno, publicado pela Intrínseca, e publica neste post suas 10 considerações sobre o livro:

1 – Salinger, a biografia escrita por David Shields e Shane Salerno busca mergulhar profundamente na misteriosa vida de um dos autores mais reclusos da literatura, J. D. Salinger, autor do clássico imediato O Apanhador no Campo de Centeio. Para isto os autores se municiam de uma grande quantidade de depoimentos, e documentos, numa soma de retalhos e olhares que pretende analisar e compreender este mito, que pretensamente abandonou a fama, mas jamais sendo esquecido pelos fãs de sua literatura. Salinger de certa forma nos revela este grande paradoxo que era J. D. Salinger;

2 – O livro busca abranger a vida completa de Salinger, e por meio das informações coletadas durante 9 anos em mais de 200 entrevistas as colocando numa estrutura de Thriller que dá a obra um grande dinamismo; digno da vida e da história de Salinger, pois é sua existência tão surpreendente e dramática quanto as melhores ficções;

3 – No entanto é importante salientar que o Salinger que vimos no livro, ainda que com depoimento próximos, outros nem tanto, é um Salinger visto por outros olhos. Por vários outros olhos que em algum momento se cruzaram com J. D. Salinger, o que em certos momentos é como se o leitor estivesse assistindo um tribunal do júri, tendo de decidir entre aqueles magoados ou rancorosos com o autor, ou então os próximos o suficiente de Salinger para compreendê-lo e sair em sua defesa. No meio destas histórias, fica ao leitor decidir qual Salinger ele prefere ver;

4 – Tudo isso porque o mais evidente da obra é que J. D. Salinger mais do que um autor, era também um personagem. Sua vida parte de atritos com a família rica, para os horrores de um soldado que vê o pior da humanidade durante a II Guerra Mundial. Salinger participou da guerra, e como defendem os autores desta biografia, é provável que ele jamais tenha saído dela. Do campo lhe restaram marcas profundas, assim como sua inabilidade para os relacionamentos, bem como sua adesão ao vedanta. Cada uma dessas coisas, assim como um tempero se funde a um caldo, foi dando sabor á biografia excêntrica deste autor;





















5 - David Shields e Shane Salerno, mesmo que se não consigamos adentrar muito mais na reclusão de Salinger, nos deixa pelo menos a uma distância razoável para perceber alguns detalhes interessantes e importantes deste autor que desde 1965 nunca mais publicou;

6 – E a primeira coisa que o livro nos deixa claro é que J. D. Salinger não era alguém fácil para se lidar. Egocêntrico e intolerante com aqueles que o decepcionavam, Salinger não via problema algum em descartar as pessoas. Fez isso com seus fãs. Com suas amantes. Com sua família. Isto por si só revela seu temperamento personalista, de um mundo, e ao menos esta biografia nos faz pensar assim, que girava em torno de si mesmo;

7 – Outra coisa que percebi claramente através desta biografia é de que Salinger sempre soube o que ia, e o que queria fazer. Portanto mesmo que os próprios autores conjecturem sobre os impactos do front em Salinger, é bem possível que ele apenas tenha tornado sua literatura ainda melhor. Salinger segundo a própria biografia alistou-se com o único objetivo de melhorar sua escrita, e assim ele fez. Ele ainda conseguiu seu grande objetivo que era escrever para New Yorker, e depois disso não demorou muito para alcançar uma fama com seu primeiro e único romance, O Apanhador no Campo de Centeio. Depois disso, o que para alguns seria fruto de sua loucura, Salinger optou pela “reclusão” fazendo com que sua fuga o deixasse com uma presença onipotente no imaginário dos leitores. Desconfio, graças a esta biografia, que Salinger não fugia, pois ligando os pontos e os depoimentos no livro é fácil perceber que Salinger tinha seus planos, e os colocou;

8 – Digo isso porque de certa forma este livro desmistifica o grau elevado da reclusão de Salinger. Em vários depoimentos o leitor poderá perceber que ele andava pelos Estados Unidos. Visitava lugares, e jantava com amigos. Por isso o medo reiterado de muitos ao longo da obra de que as prováveis obras do autor possam estar desconectadas do mundo não se justificam, pois Salinger embora distante dos holofotes jamais deixou de conhecer o mundo. Assistia a partidas de basquetes de garotinhas, segundo o livro uma de suas obsessões. Recebia poucos amigos em casa, mas amigos que jamais denunciaram qualquer coisa de sua vida. Aliás, ele tinha um talento especial por conseguir adeptos a proteção de sua privacidade, e melhor exemplo disso é sua cidade, Cornish. Mais do que um recluso, esta obra nos revela um Salinger, que muito mais do que abdicar da fama, a usa quando quer e bem entende. E a prova é que ele sempre esteve antenado a tudo que lhe dizia respeito, e sempre soube aproveitar os momentos certos para revitalizar o mito. Ele mesmo. Salinger amava a si, e seus personagens. E como ninguém soube construir seu pedestal;

9 – Assim temos um livro com diversos vieses. Nos mostra através de centenas de vozes um pouco deste homem que sem dúvida teve seus tormentos. Seus problemas. No final da obra este são enumerados e avaliados. Mas acima temos um livro que abre um pouco mais dessa caixa preta que se tornou Salinger, e nos apresenta uma riquíssima história de vida, que ao achar não pertencer a este mundo Salinger teve dele muito mais do que a maioria dos mortais poderá provar;

10 – Enfim, Salinger é uma biografia que vai agradar não somente aos fãs do autor, ou seus leitores. Esta biografia é universal, e principalmente nos abre os bastidores da criação de uma obra que marcou diversas gerações e que ainda hoje se mostra viva e pungente. Mais do que um livro sobre a vida de Salinger, é um livro sobre a literatura, e também sobre o mundo e suas discrepâncias;




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