No dia e no local, por Carla Escouto de Vargas

Era uma quarta-feira, por volta das 07h e 30 minutos, estava eu sentada na mesma da padaria de sempre, esperando o meu café com pão de queijo, igual a todos os outros dias. Na televisão começou a passar o noticiário do dia anterior, um dia que, para mim, foi como os outros: realizei minhas tarefas do cotidiano, corri e passei pela Vista Chinela.

Comecei a ouvir outras pessoas na padaria comentarem o “tal acontecido” na Vista Chinela. Eu não sabia do que se tratava e parecia que todos à minha volta sabiam e estavam com muitas expectativas de que isso fosse noticiado.

Comecei a recordar do meu dia e de como tinha sido aquela minha caminhada. Lembrei que, logo ao sair, esqueci do fone de ouvido e tive que voltar ao meu apartamento para pegar. Aliás, quem consegue caminhar sem ouvir uma boa música?!

Acabei lembrando também que, ao entrar em casa, tinha esquecido de programar o e-mail aos meus clientes, sobre as ofertas em comemoração às Olimpíadas que seriam no Rio, este ano. Esses dois acontecimentos acabaram atrasando minha saída de casa…

Estava até preocupada que já seria noite - eu gostava de caminhar durante o dia - e o quanto ainda estava claro, de modo que enxergasse outras pessoas e possibilidades. 

Comecei a repensar sobre todas as pessoas que vi no trajeto, os que me cumprimentaram e os que não esboçaram reação alguma. Lembrei também que o dia era atípico, as pessoas eram diferentes e não eram as mesmas que costumava ver naquele horário. Os rostos eram diferentes e não conseguia lembrar com detalhes. 

Começou o noticiário e toda padaria parou para assistir. Minha curiosidade fez com que meus pensamentos voltassem para o momento atual e eu também prestasse atenção naquela notícia. 

“Mulher sofre abuso durante corrida na Vista Chinesa no Rio de Janeiro. Polícia procura por 

maiores informações de pessoas que possam ter visto movimentação estranha”

Eu paralisei. Como assim?

Poderia ser eu, não? Será que foi por isso que comecei a recordar minha rotina de caminhada de ontem? Será que eu passei por essa mulher durante a minha caminhada? Ou pior, será que passei pelo agressor? O dia estava tão atípico, será que é algo que vi e não percebi? Será que esquecer os fones e a programação do e-mail me livrou disso? Como será que está a mente dessa mulher? Será que ela me viu lá? Será que eu passei por eles? 

Milhares de pensamentos... Até perdi o apetite… 


*Crônica baseada na leitura do livro “Vista Chinela” de Tatiana Salem Levy.


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