O Blog Listas Literárias leu Vento Vazio, de Marcela Dantés publicado pela Companhia das Letras; no post de hoje as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro ou como penetrar o remoto e o profundo através da linguagem, confira:
1 - De antemão poderíamos dizer que Vento Vazio trata-se de uma potência literária nas mais diferentes acepções que se possa conceber de literatura. Um mergulho insólito entre o fantástico e o realismo, uma narrativa que não opta pelo realismo e justamente por isso revela-se a nós tão realista. Um livro que deverá chamar a atenção por suas virtudes e pela força do literário que aqui explora todas as possibilidades da linguagem através de seu conjunto de vozes bastante particular;
2 - Podemos falar em conjunto de vozes porque a narração da obra é partilhada entre quatro vozes em primeira pessoa. Vozes estas, cada qual com sua identidade peculiar, entre a ingenuidade e uma sabedoria quase mítica e profunda, vozes que destoaria daquilo que a sociedade costuma regular ou normatizar como "normais" justamente porque estas vozes em suas simplicidades e contradições são capazes de olhar para além da superfície e escapar do senso comum. Tais vozes habitam o espaço da narrativa que aqui é pincelado com ares do insólito (talvez mesmo uma aproximação ao realismo maravilhoso), a Quina da Capivara, um lugar "estranho" e ermo habitado por vidas (ou almas) como que se habitassem uma espécie de purgatório. Um local onde chia um vento tenebroso, o Vazio, um local dos esquecidos, dos amaldiçoados, um local outrora de promessas de progresso, mas em pleno processo de decadência pois que tal progresso não passou-lhes de miragem...
3 - Aliás, o espaço neste livro é quase que uma personagem em simbiose com seus habitantes. A quina da Capivara é um lugar remoto cuja única ligação com o outro mundo é a Usina Eólica que veio - e se foi - . Uma ligação sem qualquer ligação, a não ser pelos personagens que mantiveram alguma atividade com a usina, ainda assim uma ligação distante, visto que aos "estrangeiros" que prometeram o paraíso utópico, os habitantes da Quina eram praticamente invisíveis. Esse espaço soa-nos remoto e abandonado ao mesmo tempo que quase constitui-se enquanto uma dimensão etérea, não pertencente ao mundo natural. Como se não pertencesse ao mundo, umas espécie, como dissemos, que lembra uma espécie de purgatório de onde emanam imagens para lá de insólitas. Nesse sentido, o romance ecoa obras latino-americanas e algumas brasileiras - ainda que não tão numerosas - que adentram ao insólito - quiçá a um realismo maravilhoso. Em grande parte pelas características das vozes que narram o livro, viceja na narrativa elementos desse insólito ou talvez maravilhoso, tudo isso por meio de uma linguagem que se mostra intensa e rica num trabalho de grande esmero;
4 - Isso porque podemos partir de nossas observações a partir da linguagem, que salta da poeticidade da ingenuidade à dureza ingênua de uma voz que contrasta os ares infantis - e louco - com a bruteza das imagens dos comportamentos e dos corpos, como no Livro da Maura, um dos três que compõem o enredo e encerra o romance com uma voz narrativa que entrega-nos justamente o contraste do olhar senil e ingênuo da personagem com a brutalidade do existir, da vida, dos corpos... com isso temos uma linguagem da oralidade, do fluxo de pensamento vertiginoso, das associações inesperadas, da vocalização onomatopéica e principalmente do impacto causado entre como tal narradora elabora suas compreensões e o contraste de como tudo aquilo pode reverberar nos leitores;
5 - E, embora tenhamos quatro vozes narrativas - mas três livros - todas elas distintas e únicas, ambas partilham algo em comum: o olhar marcado pela antítese, entre a ingenuidade e a compreensão dura da existência. Cada qual com a sua conta a pagar, com suas contradições e culpas, o que os torna vozes narrativas muito fortes justamente em virtude do modo não resignado, mas consciente de suas trágicas existências. Esse alguns dos ecos de um Guimarães Rosa, todos na Quina da Capivara parecem compreender e aceitar o fato de que a vida é dura e de que os crespos dos homens e das mulheres é o que os constituem; aliás, a ideia dos avessos aqui também é trabalhada, pois o avesso do humano é trazido de diferentes formas no romance;
6 - O livro começa pelo O livro do Miguel, figura enigmática que chegou à Quina como buscando o inferno e fugindo de algo muito trágico. Aliás, é através de Miguel que ressoam tais alusões ao inferno, ao purgatório e ao próprio pacto, inclusive a vida centenária desse homem que chegou à Quina e que trabalhou como vigia da Usina é aludida a uma condição de pactário. A voz de Miguel é carregada de culpa e com traços de uma senilidade que entrega-o justamente o oposto, a lucidez. Miguel evoca suas culpes e rememora sua chegada à Quina, não despropositadamente uma encruzilhada, uma encruzilhada que aliás entrega-nos duas linhas finais magistrais e enigmáticas. Miguel em seu livro traz-nos essa ideia ou lembrança de purgatório onde habitam almas condenadas entremeadas de culpa;
7 - Já o segundo livro temos O livro das Outras no qual outras duas habitantes da Quina percorrem o espaço e seus personagens, Cícera, uma mulher descrita pelas tintas naturalistas e "vítima" dos preceitos naturalistas vigentes na sociedade. Amante zelosa, mãe e renegada que viveu uma vida entremuros usada praticamente como objeto sexual de Sebastião pai de Alma, que narra alguns trechos do livro. Aqui o núcleo cinde-se em dois, trazendo a vida dupla de um Sebastião narrado pelo olhar de duas de suas mulheres, a amante e a filha "legítima" que numa espécie de vingança retira-se na Quina da Capivara. De um lado a vida clandestina de Sebastião com Cícera, de outro a família feliz a qual exibe aos homens ricos e estrangeiros da Usina. A tradicional família feliz que como veremos na voz de alma é das mais infelizes;
8 - A bem da verdade o que fazem estas vozes narrativas é analisar diferentes comportamentos humanos. O espaço da Quina organiza-se de tal modo a expor muitas posturas ao mesmo tempo que evidencia-se enquanto esforço de memória em meio a degradação natural das coisas, seja do espaço físico seja de qualquer outro espaço como o da consciência ou da memória. Assim, por meio das alusões e imagens fantásticas e insólitas o que nos salta a frente é justamente esse poder pernicioso do tempo degradante, das coisas que se vão num destempo, já que tais vozes lidam peculiarmente com o tempo de modo que o vento sempre presente revela-se aquela ameaça constante de um perigo que mina nossas forças e vai lentamente sufocando as esperanças; potência.
9 - Além disso, nessa miríade de personagens incomuns - mas tão banais e comuns - que percorre a Quina e o enredo do romance, Marcela Dantés explicita nossas contradições sociais a partir de um olhar para as relações étnicas de tal modo que o racismo e a misoginia são postas em debate de uma forma que escapa de simplismos e adentra às raízes de uma estrutura que cimenta-se em nossa sociedade. Isso porque há no livro a questão racial muito presente, mas acima de tudo, cremos a questão de gênero. Como outras vozes excelentes das narrativas brasileiras contemporâneas femininas, Dantés apresenta-nos mulheres que habitam um mundo hostil, um mundo que as relega e as controla, todas vitimadas por um patriarcalismo sem pais, sem patriarcas, o que, aliás parece-nos uma das características importantes desse ermo da Quina. Mulheres valentes cada qual a seu modo, mulheres que lutam e vivem enfrentando o Vazio, seja o vento ou as tantas ausências que a memória e a vida lhes impõe;
10 - Enfim, Vento Vazio é narrativa primorosa e impactante. Uma narrativa que compreende o poder da literatura e por isso mesmo usa dos melhores mecanismos dessa literatura para entregar-nos uma narrativa de potência da linguagem. Uma leitura imersiva mas que penetra justamente pelo trabalho que a autora faz com a linguagem, com os deslocamentos e os estranhamentos que ela nos provoca durante a leitura, trata-se possivelmente de um dos grandes marcos de nossos textos contemporâneos. Miguel, Maura, Cícera e Alma impregnam-se em nós assim como o assobio do Vazio, que embora não explicite em palavras, relembra-nos "viver é muito perigoso" com a devida correção "Viver, para alguns/algumas é ainda muito mais perigoso"!
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ResponderExcluirPatients can expect a thorough preoperative assessment, which often includes detailed eye examinations to evaluate the extent of vision impairment and overall eye health, ensuring personalized treatment plans that best suit their individual circumstances.