10 Considerações sobre Noites Brancas, de Fiodór Dostoievski ou o amor, ah o amor

O Blog Listas Literárias leu Noites Brancas, de Dostoiévski (da Biblioteca de Ouro da Literatura Universal); neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro que trata em suma do amor, ah o amor... confira:


1 - Reconhecida por ser uma destas leituras de tiro curto, Noites Brancas é na verdade um conto que de modo geral é publicado em livros únicos. No nossa caso lemos uma versão antiga (Minha, 1988) da biblioteca de Ouro da Literatura Universal  sob patrocínio da Bandeirantes e Banco de La Província de Buenos Aires. O conto narra o desencontro dramático de um casal nas noites solitárias de São Petersburgo;

2 - E conto porque o gênero é indiscutivelmente um conto, a despeito de suas cerca de noventa páginas. O espaço narrativo é estritamente reduzido assim como aos personagens, seus dois protagonistas e não mais que uma meia dúzia de outros personagens auxiliares da narrativa. Além disso, as últimas linhas findam qualquer dúvida visto o impacto final do texto e a constatação do tempo escorrido melancolicamente;

3 - Aliás, parece-nos que a escolha do gênero vai além do processo formal das definições narrativas. Na verdade, a opção do conto é primordial à constituição de seu personagem, um senhor não nomeado que será visto como sonhador. Sua solidão sobressalta desde o início, mais que um sonhador, é um esquecível, alguém de laços tão parcos que parece invisível, sua relação para com a cidade se dá pelo imaginário do concreto arquitetônico que a quentura do sangue humano. Ele vaga pelas ruas com a identidade diluída na metrópole, sua existência uma não existência, enfim, um, mas um um que não importa a mais ninguém;

4 - E é justamente aí que o conto revela-se gênero perfeito para sua narrativa. Como a vida do próprio protagonista, o conto é destituído de uma vida vasta, há um deserto de personagens. Para além do Sonhador e de Nastenka, restam mais dois ou três com alguma importância, ainda que menor, ou seja, o conto é tão vazio de contato e vida humana quanto a vida e existência do narrador;

5 - O conto concentra-se em quanto noites, as mais significativas desse individuo invisível e destituído de grandes histórias. A alusão a determinado momento da vida da cidade, as noites quando muitos viajam para o campo, ele se vê em sua amada metrópole cuja única companhia afetuosa é a arquitetura de suas casas e edifícios. A esmo, assim como está em sua existência, na primeira noite sua figura tímida, por que não, desprezível, encontra-se com a jovem Nastenka, por quem, apesar da promessa apaixona-se;

6 - Nastenka vive seu drama, o esquecimento daquele a quem jurou amor e à sua natureza peculiar de viver presa à avó. Nastenka transmuta essa mocinha vítima do amor, uma amor que parece não regressar, o amor a alguém que jurou esperar e quem ficou de voltar. Essa relação que vai se revelando aos poucos em seu diálogo com o Sonhador é o fundo dos dramas e das peculiaridades que fazem dela personagem única em sua tragédia pessoal;

7 - É justamente a partir do encontro inesperado dos dois que a vida parece encontrar certa razão para o protagonista, destituído de qualquer existência. A partir de seu encontro com a jovem Nastenka aos poucos se passa a operar uma mudança nele, de modo que a tristeza e a extrema falta de viço pela vida ainda que relutantemente vão ganhando novos contornos e mais tenso e dramático que isso: o desesperançoso cruelmente lentamente passa a vislumbrar uma pequena, mas intensa luz...

8 - O protagonista é bem isso mesmo: um desgraçado. Leva uma vida mais mundana que o mundanismo tradicional que é a existência (aliás, é um conto sobre a existência humana). Está destituído de qualquer brilho ou calor que lhe anime a vida, tanto que seus diálogos se dão com as mudas casas. Não passa de um borrão apagável na grande metrópole (mesmo à época é possível ter essa construção interpretativa). Sem sal, sem gosto, que de repente vê em Nastenka aquela talvez capaz de salvar-lhe da forca existencial. Mas poderia uma figura tão reles, tão vil, assumir de fato o protagonismo da existência? Na verdade Dostoiévski extremamente cruel ao dotar mesmo que momentaneamente o seu protagonista de alguma felicidade já que isso o torna ainda mais desgraçado...

9 - Tirante ao enredo dramático menos das coisas do coração e mais da solidão da existência em sua radicalidade mundana, o conto ainda confessa-se literatura a partir das muitas marcas metaliterárias que constituem o conto, pois que, em muitos momentos o protagonista relacionará sua existência aos procedimentos do romance, tanta afugentar-se, nem sempre possível, como se o autor dissesse-nos somos todos personagens da grande encenação humana;

10 - Enfim, mais que uma narrativa curta e das grandes narrativas da literatura, Noites Brancas é uma destas estórias dos tantos nãos que nos constituem e estruturam o que somos. O Sonhador é justamente isso, uma não existência constituída dos tantos não acontecimentos de uma vida destituída da cor dos romances e da literatura. Um protagonista nada heroico, um tipo desgraçado como somos todos nós, mas acima de tudo um desgraçado incapaz de conceber sua existência literariamente no sentido que sucumbe desgraçadamente na mundanidade existencial, no seu caso agravada com o toque maléfico de Dostoiévski ao acená-lo com alguma esperança para retirá-la imediatamente.

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