10 Considerações sobre Escrita em movimento, de Noemi Jaffe ou essa nossa companhia de sempre: literatura!

O blog Listas Literárias leu Escrita em Movimento - Sete princípios do fazer literário, de Noemi Jaffe publicado pela Companhia das Letras. Neste post as considerações de Douglas Eralldo sobre esse livro que trata da construção, mas também nos entrega muito mais dessa nossa companhia de sempre: a literatura. Confira:


1 - Fruto dos anos de trabalho com suas oficinas de escrita, desde o início da obra Noemi Jaffe destaca o que não é o livro: "longe de serem regras, podem ser considerados princípios que distinguem a linguagem a linguagem literária de outros usos da língua". Isso porque, segundo a autora, "quando mudamos a sintonia e passamos de uma prática funcional, como a língua profissional, para uma prática estética, em que importa não é apenas a finalidade d linguagem, mas sobretudo os meios" ela nos lembra que na escrita ficcional "não basta cuidar do tema que falamos; importa o modo como falamos desse tema";

2 - A importante lembrança ocorre porque é sobre o uso da linguagem literária que os princípios analisados por ela no livro se detêm. Como exposto no próprio subtítulo da obra, são ao todo sete princípios trabalhados pela autora que esmiúça cada um deles de modo a promover sua reflexão sobre o fazer literário. Mas não apenas sobre o fazer, já que esse fazer está demarcado pelas compreensões de Jaffe acerca do que vem a ser literatura, de modo que o livro também adentra a estas reflexões acerca da multiplicidade de compreensões do que é literário. Assim, os capítulos do livro se organizam através dos princípios propostos por Jaffe e ao fim de cada um dele, não esqueçamos tratar-se de uma obra cujo foco é a contribuição para a escrita literária, temos tópicos com algumas dicas pragmáticas para experimentação da escrita. Além disso, para cada princípio proposto, a contribuição de um importante autor de nossa literatura: Beatriz Bracher, José Luiz Passos, Eliane Alves da Cruz, Carol Bensimon, Jeferson Tenório e Milton Hatoum;

3 - O primeiro princípio de que trata é o da palavras. Como a autora nos lembra, elas constituem a ferramenta de trabalho do escritor, afinal na literatura "nunca é indiferente a forma como um escritor verbaliza determinado conteúdo". Neste capítulo, aliás, teremos muitas incursões para os diferentes olhares acerca do que é literatura, tendo em vista, contudo, a primazia das palavras e seus usos pois que "o instrumento formal com o qual o escritor lida diretamente são as palavras e tudo o que elas implicam: sons, disposição gráfica, ritmo, ordenação sintática, pontuação e tantas outras coisas". de acordo com Jaffe, "um dos papéis mais importantes dos escritores inventivos é recuperar, para a língua, a impenetrabilidade das palavras e mesmo das ideias";

4 - O segundo princípio proposto pela autora é o da simplicidade. Segundo ela "um texto ficcional que consiga expressar o máximo possível com um mínimo de recursos é um texto fluente e que impacta a leitura com mais potência". Todavia, Jaffe pondera que "não existem regras em literatura. Se falo aqui sobre simplicidade e concisão com qualidades importantes para a ficção, não ouso dizer que sejam imprescindíveis";

5 - Dentre os princípios que mais dialogam com as discussões das teorias da literatura está o da consciência narrativa. O capítulo começa dissuadindo a ideia de que tratar desse tema implique buscar conhecer as intenções do autor já que "é quase um consenso que os sentidos do texto não existem a priori, mas são construídos no diálogo entre texto e leitor". Neste capítulo, talvez o mais técnico de seus princípios já que para Jaffe "o foco narrativo é, sem dúvida, uma das decisões mais importantes que se deve tomar para uma narrativa ficcional" de modo que o escritor deve ter bem construída a compreensão e a consciência de suas escolhas. Neste capítulo ela ainda inclui com relevância a importância da escolha do tempo verbal;

6 - O quarto princípio trabalhado por Jaffe é o da originalidade. No entanto, para isso, ela começa algumas ideias marcadas pelo lugar-comum quando se pensa o que é originalidade. Ela vai recorrer-se da etimologia para lembrar que originalidade está relacionado à origem " e esta se localiza muito mais no passado do que no presente" pois para a autora a questão "é repensar a ideia de novo e considerar que, para que seja possível criar o novo, é essencial recorrer ao passado, às origens" de modo que nesse processo o que os escritor "deve buscar é a aquisição de uma linguagem própria" [Grifos da autora];

7 - O quinto princípio aborda um termo caro à literatura: estranhamento. Para ela "a escrita literária de qualidade é, antes de tudo, um ofício em que concorrem categorias tão distintas quanto a liberdade, a confusão, a escolha autônoma de disciplina e a necessidade de aprofundamento, solidão e originalidade, valores estranhos a padrões preestabelecidos" [grifos da autora]. Isso porque, como ela demonstra "um escritor geralmente questiona as formas como as coisas se manifestam, sente a necessidade de interpretar palavras e sentidos, sobretudo, o escritor é aquele que se espanta com as coisas". Nesse sentido, o estranhamento nos proporciona o deslocamento e a a possibilidade de para quem cria, produzir novos olhares, para quem lê, descortinar novos horizontes. E aqui creio importante trazer a contribuição do convidado Jeferson Tenório que nos diz "a literatura para ser literatura precisa ser estranha a nós mesmos" já que "a literatura é o primeiro passo para admitir que não nos conhecemos";

8 - Detalhes é o sexto princípio de Jaffe. Mas diga-se, nada tem a ver com ser detalhista no sentido expresso de apenas demonstrar fixação por um realismo exagerado, mas sim considerar que "nesse processo ( e escrever é sempre um processo", detalhes simbólicos, significativos e funcionais se misturam a outros menos importantes ou inúteis, compondo assim uma organicidade viva, em que nem tudo precisa ser dotado de um sentido aproveitável". Na verdade o que ela nos demonstra é que de modo geral, muitas vezes esses detalhes aparentemente inúteis acabam conferindo às personagens de uma identidade única. Obviamente não precisamos dizer aqui, ou no restante das abordagens ditas aqui, que para cada item, a autora nos entregara relevantes exemplos de trabalhos literários exemplificando sua argumentação. Nesse capítulo o que rege sua construção é a lembrança que "a literatura mais expressa as coisas em estado de acontecimento do que fala a respeito delas" [grifo autora];

9 - Por fim, temos o princípio sete, a experimentação. Aqui uma lembranças não apenas do que é experimentar, mas também de que, talvez, a literatura seja a experimentação por excelência: "experimentar é colocar algo à prova; é arriscar-se para verificar se uma ideia nova funciona ou se abre novos caminhos. É inaugurar uma forma real para uma imagem mental, e é também vivenciar experiências, abrindo-se para o desconhecido e o imprevisto", todavia, Jaffe reforça "é fundamental que os experimentos tenham consistência e função narrativa" pois quando assim trabalhada "é a ação de revolver formas conhecidas e ver de que maneira elas se comportam quando postas ao avesso ou combinadas de modo imprevistos";

10 - Enfim, apesar de uma leitura curta, A escrita em movimento nos entrega muitas e importantes observações sobre o fazer literário. E o faz sem ares de manual ou tutorial, pois aqui a escrita criativa é pensada de modo reflexivo a partir de importantes exemplos desse fazer literário. Nesse sentido, se tanto é como objetivo primeiro - trata-se de uma obra voltada à escrita literária, tanto o é também para a leitura literária e para a compreensão da leitura literária, já que os princípios destrinchados por Noemi Jaffe estão ancorados na aura múltipla da questão saborosamente irresolvível, afinal, o que é literatura?

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