10 Considerações sobre É assim que começa, de Colleen Hoover ou sobre leituras que engasgam

O Blog Listas Literárias leu É assim que começa, de Colleen Hoover publicado pela Galera Record. Neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Antes de mais nada, precisamos dizer que pensamos que deve-se contrariar a própria autora que em sua nota sugere a leitura do primeiro livro da duologia, É assim que acaba. Fizemos exatamente o contrário e cremos que foi uma boa escolha, visto que se este segundo já é uma leitura que engasga, cremos que a leitura do primeiro - plenamente remontável a partir desta nova - seria ainda mais engasgante, especialmente diante da dificuldade de sua narradora-protagonista, Lily, ter a compreensão exata do que lhe acontece;

2 - A bem da verdade, se neste segundo livro tendemos a questionar certas soluções e encaminhamentos quanto a solução Lily- Ryle, pensamos que a leitura do primeiro em que a toxidade do relacionamento surge em todo seu auge e perante a forma como Lily convive com tais abusos possa ser ainda mais angustiante e que embora reveladora de um problema grave, suas soluções justamente apontam para uma outra parte tão grave quanto, o amaciamento ou relativização do problema mediante não soluções condizentes;

3 - Dito isso, partamos para as discussões sobre este segundo volume. Em É assim que começa temos, a partir de muitos pedidos de fãs, a narrativa que vem em sequência e centrada numa espera de muitas leitoras e leitores, o reencontro  e desfecho da história de Lily e Atlas, que no romance compartilham a narrativa com suas vozes em primeira pessoa, vozes marcadas tanto pelo tempo do agora, das coisas que acontecem, quanto pelo tempo do antes, quando suas memórias regressam à juventude de ambos e o início de um grande amor interrompido;

4 - Assim, se Atlas na obra anterior entra enquanto interferência na tumultuada relação entre Lily e Atlas permeada de abusos e violências, sejam físicas quanto psicológicas, neste ele protagoniza a narrativa de modo a ampliar o resgate de sua história quanto iniciar a construção de uma nova ao lado de sua paixão juvenil. Aliás, é preciso falar algo sobre Atlas, sua natureza etérea, de um heroico de perfeição a despeito dos desafios que a vida lhe apresentou. Se por um lado ele surge em espelho contrário à natureza de Ryle, por outro, tal "perfeição" às vezes pode conferir-lhe um caráter de irrealidade humana;

5 - Inclusive, falando no fato de ser uma sequência, temos aqui algo um tanto peculiar em termos literários, talvez não tão peculiar pensando em narrativas focadas no entretenimento, no caso o fato de que esta continuação tratar-se ou melhor dizendo, originar-se a partir de uma grande mobilização na internet pedindo a sequência de É assim que acaba. Isso aproxima-o ao que muitas vezes vemos com telenovelas, narrativa típica em que a intervenção dos espectadores traça o destino das personagens e de toda a narrativa;

6 - Isso pode evocar uma série de discussões quanto ao processo criativo e aos espaços tanto dos autores quanto dos leitores, no caso desta segunda narrativa sobre até que ponto deve-se entregar ou não aquilo que os leitores desejam? se tal entrega - de um segundo volume que aparentemente as coisas se encaixam - colabora na amenização ou na ampliação de possíveis reflexões? De todo modo, o que parece-nos claro é que a narrativa perde importância diante outras determinantes, como pressões de mercado, afinal tamanha mobilização representa recursos, os desejos dos leitores e fãs, enfim, cremos que tais acontecimentos em vez de fortalecer, o contrário, fragilizam o poder das narrativas;

7 - Mas retomando a trama de Lily e Atlas, ela obviamente nos chega com a interferência do passado e com todo o peso da presença de Ryle entre eles, já que o fato de o casal ter tido uma filha junto, o coloca a todo o momento com certa relevância, uma relevância que para Lily é a presença constante do medo. Ryle, surge então sempre como um ponto a ser considerado, as reticências de uma Lily que mostra-se sempre relutante em libertar-se;

8 - E isso ganha força com uma narrativa cujos encaminhamentos embora condizentes com a mímeses do espelho social vigente, mais nos soam enquanto um passar de panos monumental ao que realmente se trata: violência doméstica e relações tóxicas. Isso porque toda a narrativa bem como suas personagens não trafegam pelo caminho do "é assim que é, mas não aceitamos isso", mas sim pelo caminho do "é assim que é e vamos amornar a água..."

9 - Tais apontamentos aqui feitos não têm o caráter de criticar por criticar a obra, contudo, acreditamos que sejam indispensáveis numa sociedade mais do que tolerante com a violência misógina, de modo que se a narrativa adentrar a esta seara deveria por necessidade carregar à reflexão, contudo, parece-nos que aqui toda violência envolvida surge mais como um dos desafios ao amor típico dos contos de fada entre Atlas e Lily, uma relação bonita é bem verdade, mas que, entretanto, pode reduzir a carga reflexiva e como vemos de certa forma certa naturalização e convivência "harmoniosa" com sujeitos como Ryle;

10 - Enfim, por tudo exposto, ainda que com suas fragilidades na abordagem de uma temática tão profunda e séria, certamente preferimos ficar nesta segunda leitura que até mesmo aventurarmo-nos pela primeira. É assim que começa traz vários pontos de interesse, bem como personagens com histórias de vida que merecem ser contadas, e isso é um dos aspectos positivos da narrativa. Apenas consideramos que a discussão, justamente pela relevância do tema, deveria levar mais a reflexão do que entender-se com uma mera trama de amor que mais passa o pano do que realmente nos leva a um debate profundo sobre o estado da coisa.

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