10 Considerações sobre Casa Gucci, de Sara Gay Forden ou desastres no paraíso

O blog Listas Literárias leu Casa Gucci, de Sara Gay Forden publicado pela editora Seoman (2021); neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Biografia com maior jeitão de romance policial ou reportagem jornalística, Casa Gucci percorre o mundo do luxo através da história de uma das mais influentes marcas deste último século numa jornada de quedas e ascensões marcadas por reviravoltas de última hora e, sobretudo, dos bastidores conflituosos marcados por fama e acima de tudo, fortuna;

2 - Todavia, biografia não seria o termo mais recomendado para o tipo de produção, afinal, embora trate da biografia de pessoas, o livro em si não é a biografia de uma pessoa, mas sim a jornada de uma marca, de uma identidade construída para além das pessoas que a criaram, pois embora a narrativa trate também da família Gucci, no todo é uma narrativa sobre a marca, sobre a identidade paralela construída e cujo fundo é marcado por brigas, conflitos, traições e alianças inesperadas;

3 - O livro foi publicado em 2001 e agora a partir do burburinho causado pelo filme baseado nele a Seoman publica a obra trazendo algumas breves atualizações dos últimos 20 anos. De modo geral, a narrativa perpassa as diferentes fases da Gucci de empresa familiar que se consolida no mercado de luxo ao conglomerado de capital aberto em sua totalidade quando os Gucci (a família) não passa de uma sombra amarga da derrota dos homens (do negócio familiar) para o gigantismo do capitalismo ultra-radical dos grupos de investimento;

4 - Na verdade, ao leitor curioso e atento, não deixa de ser interessante perceber que a tradição de intrigas e brigas relacionadas à Gucci muda apenas com o verniz recatado nas negociações em bolsa, mas sem deixar de carregar as traições, mentiras, disputas e querelas desde os tempos da fundação; nessa mudança de contexto perde-se a passionalidade das bolsas voejantes de um Gucci ao outro e toda a estridência causada para a dissimulação recatada da voracidade do mundo dos negócios, da espionagem industrial, etc...

5 - Nesse sentido, vale dizer que para além de toda a história da moda, o livro resgata também a própria história do mundo dos negócios em nossas últimas décadas, inclusive certo embate entre a nostalgia europeia e sua visão de mundo e o sonho americano e o estilo americano de ser, a seu modo, vitorioso nesse caso, vide a trajetória de Del sole na Gucci; é também narrativa sobre resistência em um jogo duríssimo como o é o mundo dos negócios;

6 - Mas retomando os Gucci e os ares ora policialescos ora jornalísticos da publicação, estes o são bem demarcados pela centralidade trazida ao assassinato de Maurizio Gucci, o último dos Gucci e mandar da própria empresa que criaram; Isso porque não apenas reforça o drama familiar ao estilo italiano de ser, como representa de certo modo em tons literários dados à narrativa real, a decadência da família Gucci perante o terrível e perigoso mundo dos negócios; morto a mando da ex-esposa, Maurizio Gucci embora já afastado da empresa e tendo vendido a última parte desta que mantinha-se com algum Gucci representa também a saída da família de cena e a chegada desses novos tempos, dos temos dos mercados de capitais para a marca;

7 - Aliás, flando em tons literários, uma característica marcante da publicação e que a deixa bastante dinâmica é justamente a intrusão de elementos que conferem alguma literariedade à narrativa que de narrativa de fatos, por vezes realmente soa-nos como uma interessante narrativa dos romances policiais. Além disso, Forden utiliza muitas vezes como recurso a descrição de cenas aos melhores estilos literários de forma a acentuar a dramaticidade dos momentos chaves que discute. exemplo disso é como ao tratar do assassinato de Maurizio quando usa o tempo esticando-o como numa narração literária;

8 - Mas não percamos o foco. Com todos esses atrativos, o livro de modo geral é acima de tudo a história da Gucci, uma narrativa paradoxal, pois é de sucesso, certamente, mas também de ascensão e queda. Ascensão e queda especificamente da família Gucci escorraçada da própria marca que criaram, já que o livro percorre o início majestoso e romântico da marca com a primeira geração e segunda geração para terminar num terceiro ato enquanto tragédia com a terceira geração entregando a Gucci aos "lobos" que a salvaram dos próprios Guccis;

9 - Nesse sentido é um livro sobre sucessos e fracassos, e vai atrair especialmente aqueles que se interessam pelos bastidores de uma elite que parece-nos inalcançável, mas que pelas lentes da narrativa de Gay Forden revela problemas tão humanos e perceptíveis em qualquer das classes sociais como as desavenças, as intrigas e os dramas familiares no caso dos Gucci levados com certa radicalidade. O humano por trás da história, com todos os seus defeitos e acertos é outro ponto que pode interessar aos leitores;

10 - Enfim, é obviamente uma narrativa sobre uma marca e sobre o mundo dos negócios que pode levar ao leitor a concentrar-se nisso; mas pelas técnicas e estilo de narrar tais histórias que compõe o todo, a autora também possibilita ao leitor que percorra diferentes caminhos em sua leitura encontrando uma discussão interessante para além da simples curiosidade de fofoqueiros - que nós todos temos e praticamos. Por isso, livro interessante em múltiplos sentidos.

:: + no Submarino ::



Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem