10 Considerações sobre O olho esquerdo, de André Alvez ou sobre corpos e fixações

O Blog Listas Literárias leu O Olho Esquerdo, de André Alvez, publicado pela editora Patuá; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Em O Olho Esquerdo, André Alvez mostra todo seu exímio domínio no gênero contos e presta uma homenagem ao gênero com todas as honras e respeito que este merece, numa seleção de narrativas curtas de grande expressividade marcadas pelo simbólico e pelas figuras que fazem saltar diante de nós imagens intrigantes e provocativas que tratam essencialmente da universalidade da "alma" humana;

2 - A predileção do autor pelo gênero comprova-se não apenas pelo fato de o próprio expor suas referências e influências ao final da obra, mas pelo fato de em contos como "Precisamos matar a tartaruga" ele colocar seus personagens dentro do universo de Edgar Alan Poe, o mais lembrado nesta coleção de contos. Mas, mais do que homenagear, o conto demonstra como o autor é acima de tudo, antes, um leitor, pois Alvez neste conto não, pelas citações e referências explícitas, mas como emula com qualidade a aura do conto de Poe, se coloca diante um desafio que ele cumpre com êxito;

3 - Aliás, vale dizer que de modo geral os contos aqui reunidos trazem certo e intencional anacronismo. Em estilo e tempos de suas respectivas narrativas olham para tempos já idos, distantes do nosso contemporâneo, mesmo quando ele aproxima-se de um presente mais próximo do presente. Nisso, faz sentido a lembrança a Borges, Poe... são contos que carregam a aura do cânone do gênero; as inquietações e incômodos humanos são levados ao suspense e ao fantástico que os significam e os põe em discussão e debate;

4 - E grande parte das inquietações aqui trazidas partem, parece-me, de algo que gera ou conduz a certa unidade dos trabalhos. O corpo, as imposições, as restrições, incômodos e anseios dos corpos marcam de forma indelével as personagens de grande parte dos contos reunidos. De certa forma é a relação com os corpos que movem-nas entre fixações, perdas e recomeços os habitantes deste livro;

5 - Exemplo disso é o conto que dá nome ao livro, O Olho Esquerdo; O trauma e a tragédia levam o foco do narrador para este específico pedaço da anatomia morta da mãe; foco este que o perseguirá pela vida e em toda a sua conduta e principalmente em suas relações sentimentais; o olho esquerdo a lhe a acompanhar e comandar deste então toda a sua postura e seu comportamento, marcado pela estranheza peculiar a toda boa literatura;


6 - Nesse ponto, aproveitando o narrador de O Olho Esquerdo, falemos dos narradores em geral dos contos de Alvez neste trabalho; O conto para ser um bom conto demanda e cobra narradores eficientes, e eles o são aqui. Marcados pela ambiguidade, pelo deslizar das palavras que são tramadas como um belo e intrincado crochê, os narradores dos contos no livro jogam com os não-ditos, com as camadas de subtextos ocultos da primeira visão, como o iceberg, sem deixar de guardar o efeito de surpresa final, mais uma "dívida" bem paga para com Poe;

7 - Falando nisso, dentre os contos reunidos, talvez o que cause este maior efeito de impacto final e de quebra das expectativas do leitor e desfecho impactante, provocativo seja Aberração, dos contos presentes, provavelmente o mais contemporâneo e marcado por nosso presente um tanto incerto;

8 - Tatuagem é outro conto bastante interessante do livro. O corpo, suas implicações e condicionamentos culturais são trazidos neste trabalho que lembrou-me o trabalho de David Le Breton em que estuda a relação das tatuagens na sociologia humana. Num conto marcado pelo fantástico e pelo imaginário de todas as possibilidades, há nele uma espécie de metamorfose, um sonho de liberdade em que o rabiscado possibilita uma nova identidade à protagonista do conto;

9 - Também intrigante é Insensatez, esse já um conto bastante próximo de um espaço e de uma temática muito em voga em nossa literatura contemporânea; personagens populares, tipos vistos em universos como o de Mutarelli ou Ruffato habitam o conto; Mas para além do popular, há nesse conto o efeito do psicológico, das camadas capazes de nublar o que realmente vivencia e o que imagina a personagem, como grande parte doutros protagonistas, marcada pela fixação e desalinho com a existência;

10 - Enfim, os contos de O Olho Esquerdo são grandes e qualificados contos. Obras exemplares em tudo que se estudou e se discute teoricamente sobre o gênero, e a despeito do intencional anacronismo aqui falado, não significa que não estejam afiliados a tudo aquilo que move a literatura nacional, inclusive suas tendências naturalistas, aqui atravessas em geral pelo fantástico. Uma obra imperdível para fãs e críticos do gênero. 

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