O Blog Listas Literárias leu Escravidão contemporânea organizado por Leonardo Sakamoto e publicado pela editora Contexto; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - O presente livro abre as discussões dando conta que " de 1995 a setembro de 2019, mais de 54 mil pessoas foram encontradas em regime de escravidão no Brasil",em fazendas a prostíbulos e oficinas de costura. Tais números que somados aos números globais dão conta da tragédia humanitária que é o trabalho em regime ou análogo à escravidão, ou no termo e conceito que trabalha a publicação, a "escravidão contemporânea". É sobre este tema urgente que discorrem os oito artigos mais introdução e posfácio deste livro escrito por especialistas nas discussões envolvendo o trabalho escravo e sua persistência mesmo em pleno século XXI;
2 - Na introdução de Leonardo Sakamoto há tanto a contextualização acerca da escravidão contemporânea no Brasil, especialmente, bem como a conceituação do termo apresentando "o que é o trabalho escravo contemporâneo, sua história recente, como ele se insere no Brasil e mundo e o que tem sido feito para erradicá-lo". A distinção especialmente entre escravidão colonial e o trabalho escravo contemporâneo será novamente discutida no posfácio "A herança do racismo" em que Raissa Rousenq Alves lembra que "por mais que não se esteja afirmando que escravidão colonial e contemporânea sejam a mesma coisa, pois não são, é imprescindível considerar o racismo, entendido como ideologia que estrutura a sociedade brasileira, perpassa todos os âmbitos das relações sociais, o que é determinante para o sucesso do modo de produção capitalista. [No] que vale lembrar que muitas práticas escravistas consideradas "novas", como servidão por dívida, já existiam no Brasil desde a escravidão colonial" de modo que a autora lembra que "pensar a erradicação do trabalho escravo contemporâneo e reinserção dos trabalhadores resgatados em condições dignas de vida e trabalho implica enfrentar as hierarquias raciais e regionais que estruturam nossa organização enquanto sociedade";
3 - Dentre os artigos o livro começa com "Histórias de liberdade" em que o fiscal do trabalho André Esposito Roston compartilha algumas [e dramáticas] experiências de libertação de trabalhadores em regime análogo ao escravo. Dando conta do atraso e primitivismo anti-civilizatório da prática diz ele "fiscalizar denúncias de trabalho escravo em regiões e setores que nunca foram fiscalizados é um mergulho no passado". No artigo seguinte Mike Dottridge em "A história da proibição das escravidão" vai contextualizar o debate em espacial no âmbito das Nações Unidas, ONU;
4 - Em "O trabalho escravo após a Lei Áurea" Ricardo Rezende Figueira acabada trazendo certa perspectiva histórica ao trabalho escravo no Brasil, especialmente suas relações e disseminação em determinados ciclos econômicos como o da borracha. Nesse sentido, ao longo de sua argumentação o autor demonstra que "a Lei Áurea sancionada em maio de 1888 pela Princesa Isabel, não foi capaz de impedir a existência do trabalho escravo contemporâneo, que chegou a coexistir com a escravidão colonial e imperial no Brasil";
5 - Em "Como o Brasil enfrenta o trabalho escravo contemporâneo", de Tiago Muniz Cavalcanti, o autor antes de mais nada procura construir "um conceito de escravidão a partir da desconstrução dos estereótipos". Assim aborda as distinções entre termos como escravidão, escravidão contemporânea e o termo "análogo" que é justamente o termo utilizado por nossa legislação;
6 - Já em "O perfil dos sobreviventes" Natália Suzuki Xavier Plassat "investiga quem é o trabalhador escravo atualmente, quais as formas de submissão impostas pelos modos de produção atuais e o que tem sido feito para combater essa prática criminosa". Demonstrando a abjeção de tal prática, nessas análises de perfis mostra a autora que "houve trabalhadores que literalmente morreram de trabalhar, outros se viciaram em álcool e entorpecentes para suportar as dores físicas e a dura realidade";
7 - Renato Bignami por sua vez em "Como o mundo enfrenta o trabalho escravo contemporâneo" procura apresentar "a intensidade e a diversidade pelas quais o trabalho escravo contemporâneo se expressa ao redor do mundo e como os Estados vêm desenvolvendo políticas e mecanismos de enfrentamento aos ilícitos correlatos". No fim o autor faz ainda importante lembrete ou ressalva de que "a divinização da empresa e do empreendedorismo não pode representar a corrosão dos direitos fundamentais arduamente conquistados no decorrer dos últimos séculos";
8 - "Trabalho escravo contemporâneo: um negócio lucrativo e global" de Siobhán McGrath e Fabiola Mieres faz um apanhado do problema em termos globais e diante da globalização do trabalho escravo contemporâneo, cuja uma das facetas é também o tráfico humano. O artigo destaca entre outras coisas como "a crescente atividade em torno do papel dos intermediários do mercado de trabalho. A terceirização do emprego por empresas e as taxas de recrutamento pagas por trabalhadores para acessar vagas nessas empresas (criando endividamento) estão cada vez mais identificadas como práticas associadas ao trabalho forçado";
9 - Por fim, "O impacto da escravidão nas mudanças climáticas", de Kevin Bales "traça paralelos entre vulnerabilidade, deslocamentos e trabalho escravo, demonstrando como este fenômeno é intimamente ligado à destruição ambiental" o que nos traz uma interessante e diversa observação numa outra faceta do problema, não menos alarmante que as demais. No artigo, o autor ainda debate possíveis futuros cenários cujos problemas, tanto os ambientais quanto aos referentes ao trabalho escravo, se agravam de forma trágica;
10 - Enfim, Escravidão contemporânea é uma leitura mais do que necessária. Primeiro porque trata profundamente de uma chaga arraigada nas estruturas sociais espalhadas pelo mundo, e como vimos, cada qual com suas formas e práticas particulares. Nenhuma sociedade que queira civilizar-se pode conceber formas de escravidão, seja qual for seu conceito. Em segundo lugar, porque temos um alerta importante. Os números trazidos são alarmantes, na casa dos milhares, e mesmo que fossem dúzias, a erradicação de todo e qualquer serviço forçado ou escravo deve ser um compromisso ético de cada um de nós. O não envolvimento ou o dar de ombros a milhares de pessoas que vivam em condições de escravidão contemporânea é cumplicidade para com exploradores e escravistas. Vive-se numa sociedade cheia de bolhas, muitas delas privilegiadas e protegidas socialmente que preferem fechar os olhos ao problema, ou no mínimo fingir que não acontece ou que não saibam que exista. O presente livro é um importante meio você, caso desconheça a realidade da escravidão no Brasil e no mundo contemporâneo, venha a conhecer mais sobre o assunto. O terceiro e não menos fundamental motivo de relevância do livro é que vivemos tempos que talvez nem todos saibam o que significa as ações do Estado procurando destruir as atividades fiscalizatórias neste país. Diversos órgãos são sucateados, Inmetro, Ibama e também Justiça e Ministério do Trabalho. é preciso compreender que tais ações são intenções e projetos políticos, no caso projetos que visam não proteger ao mais fraco nestas relações, mas sim os infratores, os escravistas e exploradores. Escravidão contemporânea é também uma obra para apresentar avanços e para lutar contra possíveis retrocessos.
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