10 Considerações sobre Linguagem, de Daniel L. Everett ou sobre quando começamos a conversar

O Blog Listas Literárias leu Linguagem - A história da maior invenção da humanidade, de Daniel L. Everett publicado pela editora Contexto; Neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Fosse este um post sensacionalista diria "é fogo no parquinho" dos linguistas, pois Everett neste livro tem como certa centralidade a objeção à teoria da gramática gerativa de Noam Chomsky, e como o próprio título deixa explícito, questiona qualquer inatismo da linguagem, teoria largamente aceita entre acadêmicos, para adotar então uma visão culturalista da linguagem, deixando de ser, portanto, algo inato, mas sim uma criação, uma invenção da cultura humana, por certo a maior de todas as invenções da humanidade;

2 -  Indo na direção contrária de Chomsky a quem a linguagem teria começado há uns 50 a 60 mil anos atrás por meio de um salto evolutivo não muito claro ou comprovado, Everett observa a linguagem como algo mais antigo, para ele "nossas espécies têm conversado por muito tempo. Todas as línguas do planeta apontam para as expressões do pensamento - subdeterminadas, restritas pela gramática, motivadas pelo significado ou ligadas socialmente - dos primeiro Hominini, dos Homo Erectus e talvez ainda antes". Todavia, embora não desconsidere a possibilidade de algo anterior, será ao período dos Homo Erectus que o autor colocará a "invenção" da linguagem observando especialmente que na cultura do Erectus "tais como ferramentas, casas, organização espacial das aldeias e viagens oceânicas para terras imaginadas além do horizonte -, o gênero Homo tem falado por 60 mil gerações, muito possivelmente há mais de um milhão e meio de anos";

3 -  Dito isto, vale dizer que para além da linguística a obra é tributária de diferentes áreas do conhecimento, seja nas diversas áreas da linguagem como semântica e especialmente a semiótica, como áreas tais como a antropologia, a arqueologia, biologia, etc. de modo que se constrói enquanto argumentação de forma transversal, dando enfoque, claro, à cultura, que assume para Everett o protagonismo na invenção da linguagem;

4 - Isto torna-se mais visível na própria divisão em partes do livro, começando pelo acompanhamento de "Os primeiro hominini" em que temos fundamentalmente retirado o monopólio dos Sapiens quanto ao surgimento da linguagem, legando aos Erectus tal invenção/criação. Na sequência em sua segunda parte o autor trata das "Adaptações biológicas humanas para a linguagem" reforçando a não existência de algo biológico exclusivo pra a linguagem. A terceira parte fala de "A evolução da forma linguística" para em seguida falar da "Evolução cultural da linguagem", ficando já mais ou menos claro que para o autor é fundamental na compreensão da linguagem levar em consideração o evolucionismo de Darwin assim como a evolução da cultura humana;

5 -  Assim, talvez pudéssemos dizer que o respectivo livro embora em sua argumentação percorra muitos caminhos, ao fim resume-se em duas teses que centralizam todas as preocupações do autor. Uma destas preocupações evidentes é objetar a teoria de Chomsky que coloca a gramática enquanto centro da linguagem. Everett defende que "a visão de Chomsky para a evolução da linguagem deve ser questionada não simplesmente porque é original, mas porque está errada". Todavia, vale reforçar que Everett desconheça a relevância ou importância do trabalho de Chomsky, segundo ele sua "maior contribuição para a compreensão das línguas humanas foi sua classificação dos diferentes tipos de gramática, com base em suas propriedades computacionais e matemáticas". Isso contudo, para Everett, não muda o fato de que "a teoria da primeira gramática de Chomsky está dissociada dos dados da evolução humana e das evidências culturais para o surgimento da comunicação avançada. Ela ignora a evolução gradual darwinista, não tendo nada a dizer sobre a evolução dos ícones, dos símbolos, dos gestos, das línguas com gramáticas lineares etc..."

6 - Assim, para encerrarmos a questão Chomsky neste livro, importa dizer que Everett observa a gramática como apenas um dos diferentes elementos da linguagem. Reconhece a importância do estudo das frases, entretanto, nesse aspecto com sustentação vigorosa, mostra que a gramática não se sustenta enquanto criadora da linguagem, mas sim o resultado mais complexo nascido do processo de evolução da própria linguagem. Para Everett a gramática ocuparia o mesmo espaço da fonética, da fonologia, sendo apenas um dos campos de estudos da linguística, mas não uma espécie de pedra filosofal da linguagem;

7 - O outro aspecto proposto pelo livro e em si sua principal tese é de que a linguagem é uma invenção surgida pela evolução do processo comunicativo dos humanos, algo surgido há mais ou menos um milhão e meio de anos, uma "invenção" pelo menos para ele, com fortes evidências de ter surgido nos grupos de Homo Erectus espalhados pelo globo terrestre. Para Everett "as evidências dão suporte considerável à afirmação de que os Homo Erectus possuíam linguagem: evidências de cultura - valores, estruturas de conhecimento e organização social -; o uso de ferramentas  e melhorias (ainda que lentamente, se comparado aos Homo Sapiens); exploração da terra terra e do mar, indo para além até do que poderia ser imaginado; e símbolos - nas formas de decoração e ferramentas" de modo que para o autor "somente a linguagem é capaz de explicar a revolução cognitiva dos Homo Erectus";

8 - Este é, portanto, o cenário de embate e argumentação presente no livro. Em sua argumentação, Everett usa de uma linguagem bastante clara, especialmente se pensarmos em obras de natureza acadêmica. Aliás, o estilo digamos claro e simples vez ou outra é mencionado na própria obra, e de fato sua escrita é bastante palatável mesmo para quem não presencie ou participe das discussões linguísticas. Isso, claro, pode trazer um peso, diga-se o de transparecer uma mensagem menos comprometida com o debate científico com intenções de "conquistar" uma gama mais ampla de leitores. E nisso é bem verdade que é uma obra capaz de ser lida pelo público amplo, algo que por vezes traz preconceitos às obras acadêmicas como se a seriedade do trabalho fosse maculada por alguma intenção de atrair as massas. Mas esse é certamente um preço que o próprio autor está consciente;

9 - Dizendo isso, nos manifestamos que certa simplicidade no estilo do texto não cause tantos ruídos na discussão acadêmica. Tais ruídos podem ser evocados não tanto na insistência de Everett em objetar a teoria de Chomsky, mas sim em por vezes, assim como a crítica feita a Chomsky a sensação de que as proposições de Everett carecem daquela prova substancial a comprovar sua argumentação. E olhe que aqui tendemos a concordar com a visão culturalista e evolutiva do surgimento da linguagem. Parece-nos um tanto claro de que podemos nos comunicar sem a presença da gramática. Vejamos por exemplo que se estamos passando por algum lugar e alguém diz "fogo!" sabemos exatamente o que significa, e nesse caso não há sintaxe na frase. A sintaxe também é ineficiente para explicar a situação do sujeito que chega às 4 da manhã em casa e a esposa lhe diz "bonito, hêm!". Entretanto, mesmo em leitores dispostos a comprar a proposição de Everett, por vezes fica-se a sensação de que falta algo ou que tudo se agarre demasiadamente em apenas evidências. Aliás, considerando aqui que talvez a falha seja da tradução, o aparecimento do verbo achar em algumas oportunidades acaba ajudando nessa cisma. Nada é mais prejudicial à discussão acadêmica que o verbo achar. Além disso, pela linha que prossegue, parece-nos que talvez os argumentos de Everett ganhassem ainda mais força se observados nomes da sociolinguística como Calvet e Labov. Cremos que suas teorias por certo colaborariam com o debate reforçando que não há linguagem fora do contexto social e cultural dos humanos. Aliás, a própria sociolinguística demonstra que as línguas evoluem, mudam, somem, de acordo com diferentes contextos e estratos sociais;

10 - Enfim, Linguagem parece-nos ter não apenas uma missão, mas também o claro objetivo de construir uma narrativa mais eloquente para o surgimento da linguagem, para o autor uma invenção humana tal como o fogo, o machado, etc... Para tanto, ele traz muitas evidências num caminho percorrido de forma transversal por diferentes áreas do conhecimento para nos colocar diante uma visão evolucionista e culturalista da linguagem. Aqui tendemos a concordar com muitas de suas visões, ainda que nos pareça que Everett é bem mais eficiente ao objetar a teoria de Chomsky do que em sua proposta de que os Homo Erectus sejam os responsáveis pela criação da linguagem. É uma semente que ambiciosamente ele nos coloca, e isso por meio de fortes evidências, ainda assim com certa percepção de carência quanto provas de sua argumentação. Ainda assim, no nosso caso, consideramos provável de como diz Everett "há mais de 60 mil gerações, os Homo Erectus introduziram a linguagem no mundo. A linguagem não simplesmente uma outra forma de comunicação animal, mas é uma forma avançada  de expressão cultural baseada nas habilidades únicas da cognição humana".




     

2 Comentários

  1. Dizer que Chomsky ignora a evolução gradual, apenas revela um equivocado, estranho por sinal, pelo fato de ter convivido com o linguista. Quem conhece Chomsky nesse terreno, sabe que ele se pauta na questão dos saltos para frente apontados pelo cofundador da teoria da evolução, Alfred Russel Wallace, e também no próprio xeque que Darwin deu na seleção, quando tratou das dificuldades da evolução gradual, devido às formações geológicas que impedem o aparecimento de vestígios de formas intermediárias. Isso foi reforçado em 1902 pelo biólogo Holandês Hugo De Vries, que cunhou o termo mutação. Schrödinger aproveitou essa explicação para concluir que tais mudanças súbitas ocorrem por saltos quânticos na molécula do gene. Apesar de não sabermos a localização espacial do inatismo no cérebro, ou na mente, relação que também continua sendo um mistério, Chomsky apenas usa esse modelo de órgão de linguagem como uma metáfora. Everett parece querer ocupar o lugar de Piaget numa discussão que não vai levar a lugar nenhum.

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