O escritor T. K. Pereira além de criar suas histórias é um grande ativista da literatura, como seu projeto 7 Coisas que aprendi que conta com a participação de muitos, maus muitos mesmos, escritores compartilhando a experiência da escrita. Entre seus projetos recentes, uma antologia com contos inspirados nas canções de Raul Seixas [de distribuição gratuita], sobre o qual falamos nesta entrevista, e o pré-lançamento de seu livro, Vozes. Confira neste post 10 perguntas que fizemos ao autor:
LL: 1 - Olá, Tiago. Cara, muito bacana essa iniciativa reunindo contos inspirados nas canções do Raul. Concorda que ele seja talvez nosso mais literário dos cantores/compositores?
T. K. PEREIRA: Sem dúvida o Raul se encontra no rol de compositores mais literários e instigantes da história da música brasileira. De fato, essa característica (além de meu grande apreço pelo legado musical do Raul) foi o que me levou a optar por uma antologia de contos toda dedicada a ele. Hoje se sabe que o maior sonho de Raul era mesmo ser escritor. A maioria de suas canções são simples, mais repletas de simbolismos, misticismo e abertas a tantas interpretações que é um material riquíssimo e inspirador, não apenas para escritores.
LL: 2 - O livro digital Conte Outra Vez chega nessa efeméride dos 30 anos da morte de Raul Seixas. Como surgiu a ideia desse volume, e como foi organizar um projeto desse porte?
T. K. PEREIRA: Antologias são uma ótima oportunidade de promover o primeiro contato com diversos autores, sejam estes iniciantes ou veteranos com pouco reconhecimento. Já participei de 4 antologias e sempre tive o desejo de organizar uma. Para mim, um aspecto fundamental de uma boa antologia é a unidade temática, por isso sempre adiei esse projeto. Quando percebi que este ano se completariam 30 anos da morte de Raul Seixas, encontrei um tema que poderia interessar a muita gente.
A ideia sempre foi disponibilizar a antologia em eBook e gratuitamente. Cada autor convidado pôde escolher uma canção do repertório do Raul, sem repetições. Busquei cobrir todos os discos solos da carreira do cantor. A organização levou, no total, uns quatro meses entre a concepção e o lançamento no dia 21 de agosto.
LL: 3 - Com o fato de Bob Dylan ter ganho o Nobel de Literatura, acredita que Raulzito poderia estar nesse mesmo time?
T. K. PEREIRA: Sem dúvida. O que mais me surpreendeu nesse novo contato com o legado de Raul foi perceber o quão atual ele permanece. Um dos maiores desafios do artista, seja em qual ramo for, é conseguir compreender e reproduzir tão fielmente dilemas, angústias, anseios e tantos aspectos do complexo espírito humano. Raul Seixas fez isso com maestria e isso o coloca num patamar que muitos gostariam de compartilhar com ele.
LL: 4 - Aliás, para você quais as relações possíveis entre a música e a literatura?
T. K. PEREIRA: Sou avesso às tentativas de classificação, de colocar cada coisa no seu lugar. Música e literatura são artes plurais demais pra tentar confinar em fronteiras. Há canções que são verdadeiras pérolas literárias, e textos com ritmos e construções tão bem cuidadas que para muitos soam como hinos. Como diria Raul, que cada um faça o que quiser e há de ser da lei.
LL: 5 - Deixando um pouco o livro, você tem se notabilizado como mobilizador de diferentes projetos envolvendo literatura, sempre pelo viés da coletividade, caso desta antologia, de distribuição gratuita e com a participação de muitos autores. Conte-nos mais sobre essa sua paixão e suas ações enquanto ativista e mobilizador literário.
T. K. PEREIRA: Ser escritor no Brasil é um negócio complicado, como todos sabemos. Hoje em dia, com todas as facilidades que a tecnologia permite, mais e mais escritores tem deixado seus refúgios e buscado um lugar ao sol. Por outro lado, essa mesma tecnologia que dá acesso e voz acaba gerando uma cacofonia terrível onde muitos falam e poucos ouvem. Isso sempre me incomodou, bem como a ausência de projetos com foco na coletividade, em especial entre os autores independentes. Nunca me considerei um ativista ou mobilizador, de fato, mas sempre quis contribuir o mínimo que fosse para dar visibilidade a bons trabalhos e autores que acabam passando despercebidos. Não por puro altruísmo, confesso, já que muitos dos projetos que organizo me permitem também formar novas conexões, aprender e evoluir como escritor.
LL: 6 - Falando nisso, outro projeto bastante reconhecido seu é a série de entrevistas com autores dos mais diferentes portes [inclusive esse que vos fala, e que ficou muito honrado com a participação] levantando elementos sobre a carreira de escritor. O que conseguiu depreender desse ofício com o conjunto de tantos retornos?
T. K. PEREIRA: Uma das maiores lições que tirei do 7 coisas que aprendi foi perceber que existem muitos caminhos e definições de sucesso. Parece óbvio, mas por muito tempo acreditei que seria possível traçar o plano ideal do sucesso literário, sendo que eu sequer sabia compreender o que isso significava. Leitores? Dinheiro? Fama? Lista de mais vendidos? Unanimidade crítica? Parece-me que essa é a maior pedra no sapato de muitos autores: compreender de fato, e honestamente, a razão pela qual fazem o que fazem. Outra lição importante: nunca se está totalmente formado ou preparado. Nunca existirá o momento em que alguém dirá a si mesmo no espelho: "sou um escritor completo e nada me resta a aprender". De novo, uma obviedade mas que levei um bom tempo para perceber.
LL: 7 - Nesse sentido, a partir dessa sua rica pesquisa, é possível termos um perfil dos autores brasileiros?
T. K. PEREIRA: Não me arrisco a tanto, deixo a tarefa para aqueles com maior embasamento científico. Minha percepção pessoal é que muitos autores nacionais seguem escrevendo por puro diletantismo, o que não é demérito algum. Ninguém é obrigado a ser escritor profissional, chafurdado em planejamentos, metas, estudos de mercado e métricas de Internet. O importante é ser honesto consigo mesmo sobre as razões pelas quais você faz o que faz.
LL: 8 - Aliás, não tem sido um tempo fácil para o mercado editorial, para editores e autores; ainda assim persistimos escrevendo. Como você tem observado esse cenário de nossa literatura?
T. K. PEREIRA: O mercado editorial nunca me pareceu trivial ou acolhedor (por falta de termo melhor) para autores pouco (ou nada) conhecidos. A crise atual tem mais a ver com aspectos econômicos e gestões problemáticas de grandes corporações. Editores e autores independentes estão se virando hoje como sempre o fizeram, talvez até um pouco melhor, ocupando os poucos espaços deixados pelas grandes casas editoriais em crise. Claro que é apenas mais uma percepção pessoal, sem qualquer fundamento científico.
LL: 9 - Aproveitando a oportunidade, fale-nos também de sua literatura, o que vem pela frente, suas realizações.
T. K. PEREIRA: além do Conte Outra Vez, este ano farei minha estreia literária com meu primeiro livro de contos, Vozes. O livro sairá pela Caos e Letras de Belo Horizonte, nova editora independente fundada por Cristiano Silva Rato e Eduardo Sabino, vencedor do concurso Brasil em Prosa da Amazon . Conheci o Eduardo em 2015 durante a premiação (fui um dos 20 finalistas) na Bienal Rio de Janeiro. De lá pra cá mantivemos contato, trocamos leituras e impressões sobre literatura até que ele se interessou por meu trabalho. Vozes já está em pré-venda no Catarse, repleto de boas recompensas para quem garantir o livro. O lançamento oficial está previsto para Outubro.
LL: 10 - Para finalizar, você percorre um caminho pelo gênero conto. O que te fascina no conto? Não é mesmo um gênero maravilhoso "a despeito de sua aparente simplicidade"?
T. K. PEREIRA: Ouso dizer que não há nada de simples no conto. Minha predileção pelo gênero vem justamente deste fascínio por sua complexidade, pela forma como textos curtos podem apresentar tantas camadas de significação, sentimentos e informações. É desafiador dizer a que veio e envolver o leitor num jogo de descoberta e deduções em tão poucas palavras. Não que seja impossível fazer o mesmo no romance, mas não acredito que seja a isto que o gênero se propõe. Dito isso, cabe dizer que o conto não é uma preparação para o romance. Um bom conto pode exigir do escritor tanto (ou mais) esforço quanto um romance de 200 páginas. E isso aprendi na prática.
Tags:
Entrevistas