10 Considerações sobre O Livro Maldito, de David Herick & Van R. Souza ou sobre setenta sustos

O Blog Listas Literárias leu O Livro Maldito, de David Herick & Van R. Souza publicado pela editora Planeta; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Marcado pela linguagem de emergência da internet em que o embate entre tempo e profundidade é permanente, O livro maldito reúne mais de setenta histórias de horror revelando outra característica destes tempos, a primazia da quantidade sobre os demais aspectos, sendo que, algumas destas questões surgirão nesta avaliação;

2 - A começar pelo estilo narrativo, que embora trazendo à capa a informação "creepypastas macabras e contos de terror", veremos na leitura que a linguagem é no todo de creepypastas, visto que, embora com nuances tangenciais ao gênero conto, não vejo os trabalhos aqui reunidos plenamente inseridos em tal gênero "que a despeito de sua simplicidade, é difícil". Isso porque, independentemente do tamanho de um conto, há neles algo que os unifica ainda mais que a capacidade de "se ler numa sentada", a complexidade narrativa e psicológica de seus melhores exemplares, não sendo o caso aqui, pois que nestes trabalhos prevalece a virulência narrativa das creepypastas, algo próximo, mas não o conto em si;

3 - Penso que o horror tem sua ciência, ser trazido à tona exige-se tal ciência como podemos ver na elaboração dos contos de Allan Poe e mesmo nos contos de terror de Machado de Assis. Neles o horror demanda uma construção delicada levando o leitor até o pesadelo derradeiro, o que não me parece o caso das creepypastas. Talvez a explicação que esteja tentando dizer é que na linguagem veloz e verborrágica das creepypastas conta-se o horror, enquanto no conto se o vivencia. Esta, talvez uma de suas diferenças, uma grande diferença, por sinal, por isso que prefiro observar os trabalhos deste livro como creepypastas tão somente;

4 - Nos cerca de mais de 70 trabalhos reunidos aqui veremos a predominância das vozes em primeira pessoa e do jogo de inversão reservado ao final de cada historieta. Aliás, esse jogo invertendo as expectativas é uma das virtudes dos trabalhos, pois carrega em si aquela busca pelo impacto final no leitor, o que advém, claro dos contos. Assim em cada uma das historietas, os autores vão passeando por personagens comuns, muitos deles habitantes de lendas urbanas, procurando trazer um susto a cada nova história. Em muitos deles se é possível ter mais ou menos susto, embora com certa regularidade nos trabalhos;

5 - Mas aí temos de discutir outro elemento que acaba prejudicando a individualidade de cada trabalho, pois o prolífico coletivo reunido, com a passagem da leitura vai esgarçando o leitor em suas percepções. São mais de 70 micro narrativas que justamente por esse volume causam impacto nos elementos positivos de cada historieta, como a contumaz inversão de expectativa-perspectiva em cada história, de modo que ao passarmos da primeira dezena é um modelo que acaba tornando cada nova historieta um tanto previsível;

6 - Nesse aspecto vale dizer que a mínima previsibilidade é grande inimiga do horror, ao menos dos contos. Ela faz com que o medo seja diluído e essa é a questão, que a este leitor, reforça-se, parece ser o ponto. Entre o conto e a creepypasta teremos a diluição do horror, algo que inclusive percebemos numa nova geração de filmes de terror. Essa diluição leva na direção contrária do nascimento do gênero, quando o horror era capaz de provocar incômodo e um susto que permanecia com o leitor. Já nessa linguagem contemporânea o horror leva a susto passageiro, para então levar a outro susto, a outro até que o horror perde sua força... é como o antibiótico que se toma e faz efeito, entretanto, faça isso com frequência exagerada e perde-se o efeito;

7 - E não estou dizendo aqui que não haja na publicação tramas de grande potencial ao horror. Há boas histórias ao longo do livro que talvez se lidas isoladamente e com boa distância entre elas, talvez o impacto do horror de cada uma mostre-se mais potente. E não estou dizendo uma leitura nos intervalo sugerido pelos autores, uma por dia, pois imagino que setenta dias ininterruptos não melhorariam, por exemplo, o problema da previsibilidade após certa sequência da leitura;

8 - Um exemplo interessante dos aspectos positivos da inversão de perspectiva-expectativa é o trabalho "sem motivo" que assim como alguns outros trabalhos tem maior grau de surpresa e crítica no desfecho de sua pequena trama. Além disso, este é um trabalho que assim como boa parte de outra historietas questionará o comportamento humano;

9 - Além disso, vale ressaltar, que não menos interessante será ao leitor observar onde encerra-se a perspectiva de cada historieta. Melhor, não onde, mas com quem, pois está observação aponta para elementos de escolha do autor e ao apresentar certa unidade, revelam talvez um ponto de partida de análise;

10 - Enfim, O livro maldito é destas publicações que possuem certo potencial de polêmica, já que para uns pode representar certo açodamento narrativo de um gênero com leitores um tanto crítico como os são os leitores de horror. Por outro há-se a defesa quem sabe da revitalização da linguagem, ou mais que isso, uma renovação estética do contar tramas macabras. Talvez sejam estes elementos que mais estejam em jogo aqui, o fato é que este é um livro em que o leitor acabará definindo-o a partir de suas próprias experiências no e com o gênero.



2 Comentários

  1. Obrigado pela opinião e por destinar um post ao nosso livro, fico agradecido pelas palavras, nos ajudam a melhorar sempre mais!

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