10 Considerações sobre Escrever Ficção, de Luiz Antonio de Assis Brasil ou sobre a importância de conhecer "a medida"

O Blog Listas Literárias leu Escrever Ficção, Um Manual de Criação Literária, de Luiz Antonio Assis Brasil publicado pela Companhia das Letras. Neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o Livro, confira:

1 - Escrever Ficção, Um Manual de Criação Literária é na verdade a expressão em livro da experiência de Assis Brasil nos últimos 34 anos com a Oficina de Criação Literária da Escola de Humanidades da PUC-RS, uma das mais tradicionais oficinas literárias do país, e do mais recente programa de Mestrado e Doutorado de escrita criativa na mesma universidade. De acordo com o autor "este é um livro imaginado para auxiliar quem deseja escrever textos de ficção. Desse modo, poderá ser lido como um manual - mas também como percurso de reflexões sobre a escrita". E tudo isso confirma-se com a leitura dessa publicação, capaz de alcançar certa intimidade entre leitor e autor, como se de fato estivéssemos numa sala de aula e com um mestre feliz em compartilhar seus conhecimentos. Ademais, embora o uso da expressão manual - que para alguns pode possuir termo pejorativo - como colocado pelo autor, penso que o aprendizado com a leitura torne-se mais rico e agregador se o tomarmos na perspectiva de "percurso", pois a obra está mais para isto do que mero manual, pois quem deseja o clarear do percurso a seguir enquanto ficcionista;

2 - E de antemão é preciso destacar a diferença desta obra para algumas outras na linha da escrita criativa; e isso está diretamente pela perspectiva adotada pelo autor: "minha perspectiva é de um ficcionista falando para outros ficcionistas". Tal escolha faz grande diferença. Além disso, Assis Brasil esclarece "embora eu seja professor universitário da área de letras, não citarei teóricos, exceto em um ou dois momentos (...) neste livro não apresento fórmulas, apenas ferramentas" o que também colabora pela apresentação das necessidades ao ficcionistas, que são distintas de um crítico, por exemplo. Isso não significa, porém, que o autor desconheça (aqui no sentido de não reconhecê-las) as teorias, pelo contrário, quando as traz aos ficcionistas-leitores é importante acréscimo, entretanto pela perspectiva escolhida nos apresenta a criação literária sem aquela natural - mas às vezes um tanto limitadoras - sensação de mais aulas de português e criação textual, de modo que esse livro propõe-se seriamente a auxiliar quem de fato tenha necessidade, desejo ou apenas boa vontade em produzir ficção;

3 - Deste modo o autor idealiza o percurso da criação da ficção em nove capítulos, sendo o último uma espécie de reforço das ideias já trabalhadas (e aqui um recurso muito utilizado por professores, e bastante importante, a recapitulação das discussões já feitas) numa espécie de "roteiro para a escrita de um romance linear", e um primeiro capítulo em que diz que "ser ficcionista é exercer a nossa humanidade". Aliás, neste primeiro capítulo o autor tratará sobre o ficcionista, e nisso reforça-se que para criar ficções é preciso conhecer muitas outras ficções, e não só elas, pois ser ficcionista demanda certa posição no mundo e na sociedade. De acordo com o autor "ficcionista não é apenas quem escreve literatura. O ficcionista tem uma conduta perante a escrita que, em sentido mais amplo, é também uma atitude perante a vida. Se o poeta necessita de muita sensibilidade, muita leitura, muita franqueza, o ficcionista disso e mais: muita vivência";

4 - Aliás, é preciso destacar que ao leitor nessa questão de vivência e leitura e da relevância de tais posturas para a escrita de ficção, Assis Brasil, como num bom romance, não vai dizer (apenas), mas nos revelar como prática. Para apresentar-nos diferentes percursos e exemplos dos temas que aborda, o fará com uma grande diversidade de leituras ficcionais, grande parte partilhada por ficcionistas - ou leitores - mais dispostos. Além disso, nesse percurso nós, enquanto leitores, vamos encontrando nossas referências próprias nos diferentes assuntos abordados. No meu caso, por exemplo, na discussão da descrição dos personagens, a lembrança da descrição de Aristarco de O Ateneu, vinha-me às ideias;

5 - Mas no grosso do percurso apresentado pelo autor e discutido no livro, a centralidade é justamente de elementos teóricos, mas abordados pela perspectiva - e necessidade do ficcionista -, caros à estrutura da obra de ficção, os quais devem ser conhecidos e compreendidos a pleno pelo escritor. Desse modo o miolo da publicação abordará do personagem a questões técnicas importante como focalização, espaço, tempo e estilo. Além destes enredo e estrutura e a questão essencial do personagem também constituem capítulos debatidos e discutidos com profundidade. Esse é um detalhe interessante e grande diferencial de muitas publicações acerca da escrita criativa, muitas vezes focadas em elementos de linguagem e um tanto omissas quanto a técnicas de literatura. Assis Brasil soluciona esse problema e nos deixa uma obra essencial para a escrita de ficção, pois que é a perspectiva de um ficcionista, mas também enriquecida com a perspectiva do professor, do leitor, e do crítico literário. A soma desses elementos, acaba então fazendo deste livro algo bem particular;

6 -  Agora se o autor destaca algum ponto além de outro, sem dúvida, poderíamos dizer que trata-se do personagem, tanto que o segundo capítulo é nomeado como "o personagem, o poderoso da história". Isso porque, segundo o autor "se você leu um ótimo romance há dez anos, logo recordará, com força e vivacidade, do personagem central e do conflito, mas irá amaldiçoar a própria memória pois não consegue se lembrar da sequência dos eventos".  Na prática e com muita razão, Assis Brasil demonstra que dificilmente se encontrará boa ficção sem bons personagens centrais, e justamente por isso, neste capítulo dedica-se a uma ampla demonstração de meios e exemplos de constituição de um personagem central (termo preferido pelo autor, em vez de protagonista). O personagem central bem constituído, desse modo, é de acordo com o proposto no livro, indispensável à ficção, embora talvez tivesse faltado uma mensagem de que embora raros, há bons romances libertos de um personagem central, como por exemplo, A Hora dos Ruminantes, obra magistral de Veiga cuja centralidade parece-me mais da cidade do que qualquer um de seus personagens personificados;

7 - A relevância dos personagens persiste por todo o livro, como no capítulo três em que sua "questão essencial" e o conflito da narrativa são trabalhados, e nos demais capítulos que embora discutam outros elementos da narrativas, mas todos tangenciados pela presença do personagem central;

8 - Todavia, considero a abordagem de Assis Brasil sobre focalização, espaço, tempo, estilo e enredo um dos grandes diferenciais do livro. Em Sobre a Escrita, de Stephen King, encontraremos por exemplo muitos elementos da experiência do autor, em outras obras discussões linguísticas como coesão, coerência, gêneros textuais, mas quase todos talvez omissos - não num mal sentido - quanto a tais questões tão caras à obra literária. Escrever Ficção supera estas ausências a alia a perspectiva do ficcionista para ficcionista, e também a do professor-autor-leitor trazendo para seu manual elementos debatidos pela teoria literária, especialmente a estruturalista, mas no contexto da criação da ficção, e isso sem mostrar-se hermética como guias da jornada do herói. Assim o livro apresenta-nos percursos e possibilidades, de forma didática e interessante, constituindo-se uma espécie de professor de escrita ficcional quase quatrocentas páginas impressas;

9 -  E nessa jornada há ainda um detalhe curioso do livro, certa literalidade elaborada por Assis Brasil ao compartilhar a sua relação com um (suposto) aluno de suas oficinas. Thiago soa-nos quase como um personagem, que surge, dá uma sumida, e sempre volta ao texto com ares de personagem numa espécie de arco narrativo que Assis Brasil elabora a partir desta relação e as discussões sobre o possível romance sendo construído pelo estudante, de modo que o leitor-ficcionista do livro possa ver-se talvez espelhado no "personagem" Thiago, que absorve as lições do professor Assis Brasil. A relação e presença do exemplo deste autor, não um personagem qualquer, mas uma que faz questão de dizer que é Thiago com H, é interessante e dá o clima intimista e menos formal da conversa sobre criação ficcional, de modo que ficcional ou não, Thiago é importante recurso do livro;

10 - Enfim, essa é uma leitura para todos e quaisquer interessados em escrever literatura. A bem da verdade, a este público, a leitura deste livro é boa necessidade, pois quem pensa com certa seriedade em escrever ficção, encontrará nele ótimas ferramentas para desenvolver seu percurso pessoal. Aliás, quase impossível ler este livro e não por mãos à obra.


        

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