Fogo no mosquete! 10 Considerações sobre Os Imperiais de Gran Abuelo, de M. R. Terci

O Blog Listas Literárias leu Os Imperiais de Gran Abuelo - Crônicas de Pólvora e Sangue, de M. R. Terci publicado  pela editora Pandorga; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Consistente, peculiar e original no horror nacional, Os Imperiais de Gran Abuelo aproveita-se de elementos históricos pouco explorados por nossa literatura para entregar-nos uma grata e interessante surpresa. Uma narrativa que além de apresentar-nos uma trama bem construída e numa ambientação propícia aos mistérios, nos lega ótimos personagens;

2 - Mas antes de tratarmos da obra em si, vale aqui um registro porque sei que muitas vezes acontece dessas coisas quando da escolha por uma leitura: no caso deste livro não se deixe levar pela capa, que talvez por sua composição possa não ser de todo atraente, e bem da verdade, ser um projeto de design com alguns problemas. Muitas vezes isso pode levar a uma impressão errada da obra, e nesse caso não poderiam ser mais diferentes. O texto de Terci é algo maduro e plenamente construído em sua identidade, assim como a própria clareza de seu projeto;

3 - O livro, cujo subtítulo tenha a expressão crônicas é bastante apropriado. Trata-se de fato das crônicas de soldados imperiais que entre ação e reminiscências da memória agem em dois tempos, num presente narrativo que os coloca em derradeira jornada, e num passado de lembranças de horrores e também as glórias da guerra;

4 - Ambientada num período de transição do Império para a República, o forte das lembranças do grupo de soldados imperiais em uma última missão estará contudo focado nos feitos da Guerra do Paraguai, evento que pelo trágico e pelo vulto de seus números é estranhamente um tanto esquecido  pela grande parte dos autores. Terci de maneira bem feita corrige um pouco disto;

5 - Para tanto, o autor consegue dar peso a seus personagens enquanto mistura-os à história e algum de seus personagens. O íntimo do homem, mas além disso, talvez muito próximo do íntimo dos homens daqueles tempos, o autor torna seus personagens fortes, que somados ao ambiente e às teias narrativas montam um todo interessantíssimo e original em nossa literatura, não apenas no horror, mas na literatura brasileira em geral;

6 - É um mergulho num Brasil gótico e já ermo com suas criaturas, crenças e superstições que interagem de forma bastante natural com o ambiente e com a narrativa, além de pincelar a própria realidade com os tons do mistério e do horror. Isso dá-se pelos encontros do grupo de Imperiais com criaturas do sobrenatural, que não raro encharcam os próprios causos de guerra, estabelecendo mitos e lendas acerca dos combates e combatentes;

7 - E domínio do autor sobre sua literatura, dá-se especialmente pelo exemplar uso de uma linguagem já perdida naqueles tempos. Terci como se viajante da Máquina de Wells, faz sua voz em primeira pessoa, do Capitão Carabeniere, soar como se estivesse saído diretamente daqueles findos Século XIX neste pedaço de chão que chamamos Brasil. Para os amantes da linguagem arcaica, Terci é ótima visitação;

8 - Claro, tais elementos fazem da obra algo sui generis entre nossas publicações, mas o resultado é excelente, sem falar que o cerna da literatura, sua aura, no caso desta narrativa, embora possamos discutir a palavra, é bastante atemporal, pois acaba em verdade debatendo e refletindo o que move os corações dos homens, suas fantasias, medos e até mesmos fracassos e arrependimentos. No caso aqui, tudo numa época hostil e de forte influência do social com um império que ruía e uma república que surgia, claro, sob a desconfiança do homem comum, do homem-soldado, dos Imperiais de Gran-Abuelo;

9 - Mas claro, tratei aqui em grande parte dos valores estéticos e literários da narrativa, entretanto, ela pode ainda ser lida tão somente pelo viés do entretenimento, algo importante também, sendo que nesse quesito é ótima da mesma forma com sua aventura digna aos melhores pares do gênero e com ação e suspense que não te desgrudam da celulose;

10 - Enfim, Os Imperiais de Gran Abuelo é literatura bem feita e que tem a vantagem de adentrar terrenos que poucos outros adentram. Um dos melhores aproveitamentos de nossas histórias e nossas criaturas sombrias em termos de literatura fantástica, e isso numa linguagem que convence-nos quanto narrativa de um personagem da própria experiência gótica em terras brasileiras, aqui não vistas com o ufanismo da Selva de Alencar, mas uma terra com seus próprios Dráculas e Van Helsings.



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