Cuidado com a cabeça! 10 considerações sobre O Governador do Sertão, de Anatole Jelihovschi

O Blog Listas Literárias leu O Governador do Sertão, de Anatole Jelihovschi publicado pela editora Jaguatirica; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Quixotesco e intenso, O Governador do Sertão é uma narrativa que envereda-se pela senilidade de seu narrador-protagonista, num romance que traz para sua aura, questões tradicionais da literatura brasileira além de jogar com os limites entre a razão e a loucura;

2 - Para tanto, o livro divide-se em duas partes, mas que em ambas estarão presentes a relação que seu narrador, Salvador, desenvolverá com a imagem mítica de Lampião, suspendendo-o num limite bastante confuso entre sua experiência "real" e seu criativo imaginário. 

3 - A bem da verdade, Salvador encontrará no personagem de Lampião uma âncora de sobrevivência e sentido em sua existência burguesa de classe média brasileira. Todavia, tal âncora o afastará cada vez mais do seu contexto real, enquanto mergulha em seus devaneios sobre o Rei do Cangaço, que serve-lhe em certo sentido como mecanismo de subversão num contexto social que estrutura o pano de fundo do romance, cada vez mais opressivo;

4 - Ambientado nos anos de ditadura militar, Salvador é então um arremedo de jornalista cuja vida afastasse do esperado pela sociedade. Embora numa posição de perigo para a época, ele não mais será que testemunha distante de alguns eventos relacionados ao autoritarismo daqueles dias, enquanto no auge de sua irrelevância profissional e social, terá maior conforto e movimento nas fantasias que cria a respeito de Virgulino, estabelecendo uma ponte entre o Rio de janeiro e o Sertão;

5 - Nessa existência quixotesca, o narrador-protagonista então pinta-se de cores bastante brasileiras no que diz respeito à literatura, com nuances de diferentes períodos desta arte, indo da casmurrice nascida no realismo machadiano às desventuras dos romances dos pobres diabos dos anos 30 e 40, o que não deixa de conferir à narrativa certa nostalgia;

6 - Vale dizer, nesse sentido, que há nos ares literários deste país, principalmente os mais afastados do miolo tradicional do que chamam de alta literatura brasileira, certo pendor ao revisitar anos anos entre os 70 e os 80 em diferentes romances brasileiros, publicados por bons escritores mas não pertencentes ao mainstream literário. São boas obras que além do pano de fundo histórico, acabam adentrando aos dramas ou às incompreensões de uma classe média burguesa brasileira, especialmente em seus diferentes modos de lidar em  sociedade. O Governador do Sertão, embora tendo no imaginário Lampião, trata na verdade das ilusões e desilusões de Salvador;

7 - E o personagem é de fato um tanto complexo, especialmente porque trata-se não só de um autor pouco confiável, mas graças à sua aparente loucura, torna tudo ainda mais subjetivo, o que para os valores estéticos e literários, é ótimo. Em sua obsessão por Lampião ele tenta de certo modo mascarar sua incapacidade de vivência, é como um esconderijo ao fato de que parece não pertencer ao mundo que habita;

8 - Além disso, sua narração não inibe-se em adentrar às paranoias e a fantasia, que em especial na segunda parte do livro, será refletida com grande efeito na estrutura estética do romance, o que não faz só de Salvador um sujeito confuso, mas atira ao próprio leitor sua alienação visceral ao viver vidas distintas numa fronteira entre a insanidade e a lucidez, de modo que, outra características de nossas obras saltam então ao romance, o insólito;

9 - Tudo isso resulta numa reunião de interessantes valores literários da narrativa de Jelihovschi, mas que todavia, vale avisar aos leitores que isso também nos cobra um preço, pois há uma intensa carga de melancolia e de ilusões e fracassos que em muitas partes conferem um peso extremo ao livro. Ademais, a casmurrice e a subversão um tanto ilógica e desorganizada do protagonista geram interessante contraste entre leitor e personagem;

10 - Enfim, O Governador do Sertão é pungente narrativa nacional, e menos pelo personagem que provoca o imaginário de seu protagonista e mais pelo próprio Salvador, pela estrutura estética e pelas reflexões que evoca, trata-se de um interessante romance brasileiro, e cuja voz e atmosfera encontra reverberação noutros pares de letras.



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