O Blog Listas Literárias entrevistou Piaza Merighi, autor de O Conto de Y, fantasia nacional e de RPG que é das boas novidades da literatura fantástica brasileira. Confira nosso bate-papo que além da obra, discutiu literatura e RPG:
LL: 1 - O Conto de Y é uma fantasia com fortes referências no RPG. Qual sua relação com o jogo e no que isso lhe auxiliou na construção de sua narrativa?
P.M.: O RPG foi algo bem presente na minha vida por um período de tempo, tendo sido o ponto de partida de amizades que carrego até hoje. Sempre tive uma “queda” por literatura fantástica, então, conseguir aliar isso a um passatempo foi de certa forma um marco para mim. Ainda que já não jogue há muitos anos, a experiência narrativa do RPG foi a minha base como autor do livro, de forma que eu pudesse escrever como um contador de uma história, não um narrador tradicional de uma obra.
LL: 2 - Aliás, como surgiu a ideia de escrever o livro e a inspiração pare seus personagens?
P.M.: Sempre fui um leitor voraz, e em determinado momento decidi começar uma história própria, meio “para ver o que acontece”, e acabei gostando de colocar minhas ideias no papel. Quando vi, o que a princípio seria só um conto que ficaria guardado no meu computador acabou virando um livro. Tendo essa essência do RPG, tentei retratar os personagens de forma que os ‘arquétipos’ do jogo ficassem claros, mas incorporando vida/personalidade neles. Para isso confesso que usei muito dos trejeitos de alguns amigos da época que jogava (todos devidamente creditados nos agradecimentos do livro hehe)
LL: 3 - Falando nisso, o livro é sua estreia na literatura. Como foi este processo, quais as dificuldades e as coisas boas que tem descoberto neste caminho?
P.M.: Na escrita a maior dificuldade foi a incerteza do novo, de estar se jogado em um projeto que não se tem a menor ideia de como deve ser feito, e todas as inseguranças que advém disso. Fora isso, há a parte burocrática após o livro pronto, de encontrar uma editora disposta a publicá-lo, o que não é simples no Brasil quando você é um autor desconhecido. As descobertas positivas são numa esfera mais pessoal, da satisfação de conseguir fazer um bom trabalho, por mais difícil que seja organizar todas as inúmeras variáveis e reescritas que um livro demanda. A boa recepção da obra também tem sido algo muito gostoso de ver.
LL: 4 - Retornando à narrativa, sua obra é composta de uma variedade de personagens, culturas e conflitos. Quais suas fontes de inspiração para esta diversidade?
P.M.: Sempre tive um fraco por ‘monstros’, pelos personagens pouco usuais. Tentei escrever uma história que eu, como jogador de RPG, gostaria de ler, explorando personagens que normalmente não são protagonistas, que ficam relegados à antagonistas ou secundários, e os conflitos que eles poderiam ter. Nesse sentido, o Crônicas de Dragonlace (da Margaret Weis e Tracy Hickman) foi uma inspiração bem forte, porque além do valor afetivo que tenho como a obra, ela mostra bem como um grupo bem diverso de protagonistas pode render uma boa história.
LL: 5 - Além disso, como observas as mitologias e as reflexões destas culturas para a sociedade?
P.M.: Por mais digital e conectado que seja o mundo, parte de nossa essência, de nossa formação se dá pelas lendas, pelos ‘causos’, pelas histórias que ouvimos. No fim mitologia é isso, um conhecimento oral que vai sendo passado de geração em geração sem que sequer percebamos, e que é indissociável de nós. Às vezes é preciso resgatar um pouco isso, recontar uma história pelo simples prazer da história, sem maiores objetivos. Um bom exemplo é a série ‘God of War’, uma reimaginação da mitologia clássica e que é um fenômeno dos jogos eletrônicos, além de ter bem sucedidas adaptações em livros.
LL: 6 - Seu trabalho parte para um herói, digamos, mais tradicional das aventuras, ainda que Y tenha pinceladas do anti-herói. Acreditas que o herói e sua jornada ainda nos são importantes?
P.M.: A jornada do herói é algo que nos é muito familiar, algo que nos é apresentado desde criança nas histórias de aventura. Dessa forma, mesmo com o surgimento de outros tipos de narrativa, o herói não é substituível, ainda que sofra algumas variações em seu espectro, sempre tendo um papel a desempenhar, um espaço cativo no coração do leitor. Exemplo significativo disso é o sucesso da jornada do herói em outras mídias, como o cinema (blockbusters de super-heróis não são nada além da jornada do herói). Resumindo, sim, acredito que ainda há (e sempre haverá) uma fascinação pela (falsa) simplicidade do herói vencendo os desafios em seu caminho.
LL: 7 - Falando em seu protagonista, uma de nossas críticas foi quanto ao seu nome e até mesmo a dificuldade sonora. Poderias comentar essa escolha?
P.M.: Eu busquei fazer um protagonista bastante “aberto”, tanto que não há nenhuma descrição física dele no livro. Para atingir esse objetivo desde o início eu tinha em mente que o nome dele seria apenas uma letra, e o Y veio naturalmente, pelo estranhamento que provoca pela relação com os valores indeterminados da matemática.
LL: 8 - Saindo da obra, como você tem visto a literatura brasileira no presente momento?
P.M.: Infelizmente com os compromissos profissionais não tenho conseguido acompanhar o tanto que gostaria, ficando muito preso na literatura técnica da minha área. De forma geral, ainda há muito em que precisamos crescer, mas há coisas realmente boas sendo feitas em todos os gêneros, o que é um excelente sinal para a cultura nacional. Do pouco que consegui ler recentemente, fiquei positivamente impressionado com o Pássaros Sem Canção (do Jards Nobre) e o Linha 4 Amarela (do Felipe Mendes).
LL: 9 - Quanto à fantasia nacional, como a observas e de que modo pensas o cenário da literatura de fantasia no país?
P.M.: Por mais estranho que seja em um país de tradições e lendas tão fortes como o nosso, no Brasil ainda existe preconceito com a literatura fantástica, mas felizmente é algo que vem sendo superado. Por mais que alguns setores ainda persistam numa falsa dicotomia entre ‘literatura de fantasia’ e ‘literatura séria’, têm surgido cada vez mais autores incríveis no cenário fantástico: Eric Novello, Jim Anotsu, Eduardo Sphor, Raphael Draccon, Leonel Caldela, dentre outros, e eles tem mostrado a boa qualidade da fantasia nacional. Existe ainda um longo caminho para a literatura fantástica brasileira se solidificar, mas passos bem importantes vêm sendo dados todos os dias.
LL: 10 - Para finalizar, o que podemos esperar pela frente?
P.M.: Tenho trabalhado para expandir o universo que iniciei no “O Conto de Y”. Um segundo livro será lançado em 2019, não sendo uma continuação propriamente dita, mas um novo ‘conto’ situado no mesmo mundo, com ligações diretas aos eventos já acontecidos (risos de nervoso ao responder essa pergunta).
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