O momento não é fácil para a arte, a cultura e claro, a literatura. Discursos polarizados, guinadas preocupantes, o cenário para literatura - e para a sociedade - levanta preocupações. Neste post levantamos alguns pontos porque o sistema literário deve estar alerta e preocupado com os dias presentes:
1 - Eleições 2018: Há pelo menos uns três anos tenho compartilhado com amigos próximos preocupações políticas que hoje dão a tônica e a visibilidade desta campanha, e hoje a chegada ao poder de um presidente de tendências fascistas não é algo improvável. Sabemos bem pela história que o fascismo cria uma frente de combate à ciência, à intelectualidade, e à arte, tanto que muitos sinais perigosos já foram testemunhados no país. O mundo da leitura, seja quem lê ou quem produza já sente hoje os efeitos da ascensão desse fascismo tropical, e poderá ficar ainda pior, conforme o resultado destas eleições. E mesmo na melhor das possibilidades, o resultado talvez apenas minimize o crescimento fascista e a intolerância à arte e ao conhecimento;
2 - Tempos de Censura: Nós aqui do blog já vimos denunciando esse clima distópico no pior estilo Fahrenheit 451. O fato é que não se dá mais para relativizar, vivemos tempos de censura, e diga-se, às vezes à esquerda, mas prioritariamente à direita. Não só livros a serem publicados correm risco de censura, e nomes tradicionais da literatura vêm sofrendo pode diferentes motivos alguma forma de censura. Ana Maria Machado, sofreu recentemente perseguição do que talvez alguns diriam, politicamente correto, quando grupos pais acusaram o livro O Menino que Espiava Pra Dentro (1983), de fazer apologia ao suicídio. Já um dos clássicos da coleção Vaga-Lume, Meninos Sem Pátria (1981), de Luiz Puntel foi banido pelo colégio carioca Santo Agostinho porque parte de pais denunciaram o livro como apologista ao comunismo e de ideias esquerdopata. Vejamos que só nesses exemplos (e nos dos links) a situação alarmante, mas piora mais quando generais apoiadores de uma candidatura começam a falar em "banir livros que não conte a história direitinho", o seja, a história que lhes interessa, ou mesmo quando candidatos desprezam e avançam contra aqueles que pensam contrários. Tempos de censura!
3 - Efeitos da crise no setor: Talvez uma preocupação minha, mas se o cenário já é inamistoso para a literatura, ele chega ainda num momento dramático para o mercado editorial. A ascensão das décadas anteriores recentes da classe C, para o mercado editorial surgiu como luz alvissareira. Chegamos a sonhar de fato com um país de muitos leitores, e nos primeiros anos desta década o que vimos foram investimentos, novas publicações, selos e editoras sendo criadas, e mesmo grandes players internacionais vindo para o país graças aos bons ventos que sopravam para os negócios dos livros. Veio então a crise política, e o pais que olhava pra frente, hoje tem de ter pessoas que lutam para que não regressemos muito mais nos tempos. Quanto ao mercado, o ano anterior e mesmo este foi de grande terror para os negócios, com editoras, livrarias e autores, todos com grandes dificuldades financeiras. Isso, claro, torna nossa literatura mais fragilizada;
4 - Pulverização por bolhas: Tempos de censura, ascensão fascista e fragilidade financeira já criam um bolo grande de problemas, mas a literatura, penso eu, vive uma intensa revolução, e o que sairá disso, ainda teremos de descobrir. Digo isso, porque de grosso modo, as novas tecnologias, plataformas, e mesmo a organização em bolhas de diferentes grupos tornam muito complicado, especialmente para os críticos, compreender e encarar o momento. Tais bolhas dividem-se em digitais e impressos, e mesmo nos setores mais tradicionais do setor editorial, os grupos vão formando duas respectivas bolhas, e algumas, caso por exemplo, das publicações on-line como wattpad, é como fosse um único sistema, que autores, leitores e mesmo críticos, habitam aquele único espaço. Lógico, boas coisas podem surgir daí, mas temo que tais bolhas mais nos isolem do que produzam um todo capaz de dar conta da complexidade desta sociedade pós-moderna;
5 - Relação leitores e autores: No meio desse furacão todo ocorre ainda que houve um desiquilíbrio desestabilizador nas relações leitores e autores, em alguns momentos que se somam aos tempos de censura. Muitos falam que do novo poder do leitor, e isso, em alguns casos começa a criar problemas, porque também, às vezes até com boas intenções, atua no sentido de aprisionar o autor numa relação bastante autoritária. Na internet ou mesmo nos físicos esse poder imenso ao leitor começou a criar preocupações sobre o que ou de que forma abordar determinados assuntos. Além disso, essa questão de bolha aparece quando as pessoas deixam de querer novas visões pela literatura e na ânsia de se ver reconhecido, deixa de ler o pensamento diferente e contraditório, e isso ocorre em qualquer dos polos ideológicos;
6 - Ascensão do irrelevante: Tais jogos de poderes no meio editorial tem produzido muitas vezes a ascensão de obras irrelevantes, enquanto muitas obras de talvez melhor potencial literário, de reflexão ou crítica social se perde nesse mar imenso de concorrência. É provável que mesmo nós, leitores em grande quantidade sequer conheçamos a principal obra da literatura brasileira de hoje. Aliás, o próprio mercado editorial passou a se refém dessa literatura de conquista de estrelinhas ou seguidores, e não raro será mais provável que em tempos de crise se publique a obra irrelevante mas de grande público do que aquela que de fato caminha pelos pedregulhos da literatura, aquela capaz de invadir terrenos-tabu;
7 - Distância da sociedade, dentro dos "eus": Mesmo na literatura por vezes considerada compromissada, vemos que há alguns problemas, em especial talvez a incapacidade de autores contemporâneos de tratar temas e dialogar com a sociedade real do Brasil. Aliás, essa incapacidade de boa parte da nova geração com romances intelectuais burgueses de esquerda mas sem o sumo de brasilidade abriu espaço para a publicações ainda piores de uma direita que empobrece a reflexão sobremaneira em narrativas um tanto pedantes;
8 - A ausência do protagonismo: Escritores nunca, mas nunca mesmo devem abrir mão do protagonismo político e social, principalmente quando reconhecemos a literatura como um direito humano na perspectiva de Antonio Candido. Esse protagonismo é melhor exercido por sua obra, mas também acompanhado na rotina pública de um autor, e diferentemente do que vemos noutros cantos do mundo, ou mesmo noutras épocas, quais autores poderíamos dizer ocupar protagonismo politico e social no país?
9 - Pobreza editorial: Ray Bradbury fala de formas de queimar livros, entre eles seu empobrecimento, seu esvaziamento, seu resumo. Sejamos franco, tem muita, mas muita coisa ruim sendo publicada (indiferentemente do meio) por aí, e o pior, muitas vezes com muitas láureas. Empobrecer a qualidade literária é um dos grandes riscos que vivemos no presente;
10 - Continuamos...: Talvez hora dessas compartilhe perspetivas otimistas, mas não num post com este título. Imagino que grande parte de vocês não discorde do cenário aí apresentado, e embora tenhamos não muito tempo atrás sentido as boas novas de ventos esperançosos, o vento mudou, e a brisa que nos tocou a face não mudou em grande escala nosso maior problemas, continuamos uma nação que não lê, os índices de leitura continuam baixíssimos, assim como o analfabetismo funcional e a nova paixão nacional, a concorrência com os factoides de redes sociais, mais loucos que a própria ficção.
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