O Blog Listas Literárias leu 21 lições para o Século 21, de Yuval Noah Harari publicado pela Companhia das Letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - De certo impacto e opiniões a despertar debates, 21 lições para o Século 21 procura desenvolver pensamentos e reflexões acerca de nossos tempos presentes, mas de olho no futuro próximo e pés em nossa constituição sócio-histórica, isso tudo reforçando as marcas das incertezas que tanto parecem impactar nossa existência pós-moderna;
2 - Para isso, o autor que tornou-se um dos pensadores mais importantes da atualidade desde Sapiens e Homo Deus, usa de linguagem até bastante simples diante a envergadura acadêmica das discussões, que são feitas com argumentações e contra-argumentações interessantes comprometidas com o pensamento e seu raciocínio, tanto que o risco que corre e que aqueles com dificuldades de interpretação podem tender a observar erroneamente certas argumentações, o que, inclusive é abordado pelo próprio autor, e na verdade independe dele, claro;
3 - Mas em suma, os 21 artigos presentes na obra, embora, claro, alicerçados pelo conhecimento enquanto historiador do autor, miram mesmo as incertezas do presente e do futuro, em grande parte impactadas pela ascensão de algo que julgássemos superados como os fascismos e os nacionalismos que tantas mortes causaram no século passado. Tais inflamações ideológicas alastram-se pelo mundo e constituem em grande parte fundo de preocupação dos artigos do livro, assim como a revolução tecnológica do presente que tem sido também fontes de anseios e medos. Nesse sentido o autor procurar jogar luzes argumentativas sobre nossas preocupações ao passo que também não deixa de especular (talvez melhor seria usarmos adiantar, antever) sobre nossas décadas próximas e seus grandes desafios;
4 - Dentre estes grandes desafios, Harari demonstra grande preocupação de lidarmos, por exemplo, com a questão ambiental e o quadro grave que temos pela frente e a disrupção tecnológica, esta, que aliás, como podemos observar nos dois últimos anos, tem produzido grandes choques de cultura e conhecimento ao mesmo tempo que em seu viés mais negativo tem levado a raça humana a uma total subserviência aos algorítimos, robôs virtuais que já nos causam mais dor de cabeça que aqueles até então imaginados pela grande parte de nossa ficção científica;
5 - Quanto a isso, o futuro de Harari, talvez por mostrar-se como tendência, nos soe mais aterrorizante que as ficções orwellianas e kafkianas, pois somos capazes de compreende-las como possibilidade, especialmente neste cenário que dá pintas de fazer crescer ainda mais as desigualdades sociais e com todas as tensões políticas atuais, vide seus artigos quando debate as fake news, algo que aliás, parece-nos do hoje, mas tem suas raízes há muitos anos fincadas na trajetória humana;
6 - Aliás, a bem da verdade, no todo, o livro de Harari em seu conjunto se construirá a partir da premissa comum de observar em nosso processo formativo de sociedade a dependência humana das narrativas, em parte por causa de seu anseio de procurar respostas ou então de não compreender a natureza caótica das coisas. Grande parte dos seus artigos inclusive partirá justamente dos choques de narrativas e seus conflitos como geradores de instabilidade, de modo que o autor acaba nos alertando ao perigo de termos uma narrativa como respostas às coisas que desconfiamos;
7 - Com isso o livro penetra os diferentes espectros da construção social, das ideologias, das religiões, da política, o que faz da obra em tempos duros como estes, uma obra de potencial combustão, talvez não tanto por seu texto e sua argumentação e muito mais pelo fato de grande parte das pessoas não mais colocarem-se diante o contraditório, diante visões distintas de mundo, ou seja de narrativas que não àquela que presumimos "como a certa";
8 - Contudo, vale dizer que se o autor desenvolve com fluência e sobriedade e acima de tudo com muita erudição, seus argumentos, não significa que não hajam escorregões como quando em alemães e gorilas (p.130) compara o comportamento de diferentes espécies animais com as diferentes tribos humanas, um erro bastante claro a mim, como certa confusão em sua interpretação de O Selvagem de Admirável Mundo Novo, mas que desconfio que possa ter sido talvez ruídos da tradução;
9 - Mas enfim, retomando a centralidade das narrativas, já ao final de seu livro, Harari aponta que "se abandonar as narrativas ficcionais [fala aqui das narrativas que conduzem nosso globo, liberalismo, comunismo, etc], você será capaz de observar a realidade com muito mais clareza do que antes, e se realmente conhecer a verdade sobre si mesmo e sobre o mundo, nada poderá te deprimir. Mas é claro isso, é mais fácil falar do que fazer" diz o autor que ainda abordará sobre a necessidade da resiliência diante os cenários tumultuados a nossa volta;
10 - Enfim, um pouco de história, filosofia e futurismo, e com algum quê de debate acadêmico a algo que também nos chega, por exemplo, pela ficção de Philip K. Dick, lança-nos elementos indispensáveis para caminharmos nestes tempos incertos. Não trata-se de uma receita, claro, mas aponta dados e reflexões que aos abertos ao debate e dispostos a tentar compreender tudo que está a nossa volta - e as vezes assusta - que podem colaborar para o enfrentamento deste futuro, que se por horas um admirável novo mundo, com suas utopias, nos chega também com a paleta cinzenta das cores distópicas, de modo que aí estão os alertas e umas boas dicas das possibilidades à frente, sejam sombrias, sejam maravilhosas, desde que nós, a humanidade, consigamos lidar com tudo isso. E é aí que reside o pessimismo do blogueiro que vos escreve.
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Resenhas