O Blog Listas Literárias leu Um Banquete Para Hitler, de V. S. Alexander publicado pela editora Gutenberg; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - Um Banquete Para Hitler é um competente romance histórico que insere novos personagens em pequenas lacunas históricas para narrar a seu modo a Segunda Guerra Mundial, especialmente o círculo íntimo de Hitler visto sob a perspectiva de uma profissional de alto risco, ou seja suas provadoras, que no auge das paranoias do tirano eram responsáveis por provar - e certificar-se que não estão envenenados - todo e qualquer alimento destinado a ele;
2 - A provadora, no caso, é Magda Ritter, que com o avanço da guerra precisa sobreviver e acaba encontrando trabalho junto a um dos círculos próximos a Hitler, tornando-se uma provadora de alimentos que testemunha os movimentos derradeiros da guerra, e que acima de tudo, construirá a seu modo, aproveitando os mistérios não resolvidos da história, para escrever o desfecho do ditador estando a narradora-protagonista do romance na centralidade destes atos finais;
3 - Segundo o próprio autor em nota integrante da narrativa, o romance surgiu inspirado em um fato real que só viera à tona em 2013. A partir da ideia, segundo ele "[uma colega]... me disse que esperava que eu não o [o romance] transformasse em uma celebração do fascismo e da vida do ditador alemão. Assegurei que não tinha atenção..." algo que se confirma, ainda que visto de uma perspectiva pouco usual dos romances ambientados na Segunda Guerra, sendo totalmente habitado por personagens alemães;
4 - Todavia, para contornar a questão da perspectiva e não dar voz a algum partidário [ao menos declarado] do nazismo, o autor cria sua personagem um tanto cética às promessas de Hitler, ainda que cercada por indivíduos totalizados pela massificação alemã à época, de modo que sua narrativa é carregada tanto de crítica quanto de medo da proximidade com o führer. E Magda não será a única, e ai talvez um exagero, veremos uma quantidade maior de questionadores ao nacional-socialismo. Além disso, somará para uma perspectiva aliada o fato da aproximação da provadora com conspiradores da Operação Valquíria;
5 - Além disso, soma-se o fato de que a narrativa em primeira pessoa se dá em tons de memórias, estas já distanciadas do fato histórico, conforme veremos na data marcada pelo epílogo [que também reproduz a data da divulgação da história a inspirar a narrativa], e o tempo, como bem sabemos serviu para atenuar lembranças ou mesmo para reconstruir relatos na tentativa de mostrar afastamento dos planos de Hitler, afinal, depois da guerra perdida, só os mais loucos permaneciam justificando os atos do ditador. Tais elementos, claro, colaboram para a opacidade das intenções da narradora, mantendo certa aura de imprecisão, além disso, a narrativa de resgate rememorando as experiências passadas contando isso em nosso presente tem outra função importante que é atenuar a voz intrusa do autor, que em determinados momentos poderá ser percebida pelos leitores experientes;
6 - Mas o essencial a dizermos aqui, que independentemente das intenções de Magda Ritter à época da própria guerra, sua postura e sua experiência encontrarão na maior parte da narrativa respaldo históricos reconhecíveis por leitores assíduos de narrativas e obras de pesquisa sobre o assunto, de modo que sua narração equilibrada e bastante detalhada das funções que exercia dão cores reais ao romance e envolvem o leitor no universo de Magda, moradora próxima dos aposentos de Hitler, e no caso deste romance, pelo que parece, exitoso em transpor para a ficção o clima na Berghof, especialmente;
7 - Aliás, um destes detalhes que encontrão suporte nas notas históricas é justamente a natureza idílica da intimidade de Hitler, que por muito tempo foi capaz de viver duas identidades, a do comandante de guerra e a do homem caseiro com sua amante futura esposa quem em seu refúgio na Berghof nem parecia estar travando o maior combate da história. Isso, inclusive reforça a demonstração do romance de o quanto o ditador conseguiu por algum tempo fazer da guerra algo distante dos alemães, fato que vai sendo descortinado pela própria jornada da provadora, de um princípio em que a guerra lhe era algo distante e ao final, tanto ela quanto a Alemanha viam-se destroçadas e cada vez mais desacreditadas na política de Hitler;
8 - Além disso, o romance e a própria jornada de Magda buscam revelar a naturalidade com que as pessoas vão tendo de desempenhar os seus papeis, assumindo suas jornadas umas por prazer sádico outras pelo medo imposto por uma política que não tolerava o pensamento discordante, o que não deixa de apresentar-se como atenuante a muitos atores da guerra;
9 - Dito tudo isto, o romance portanto, exceto em sua proposta de desfecho em que a coisa toda se ficcionaliza baseada em teorias de conspiração ou naquilo que não encontra confirmação histórica, colando sua narradora na centralidade do final da guerra, no geral é bastante coerente com datas e fatos históricos, o que colabora muito para o convencimento de sua narradora que nos apresenta uma trama com extrema propriedade e nos leva para as proximidades de Hitler, especialmente para sua sala de jantar, apresentada por uma profissional cuja vida estava sempre em constante risco;
10 - Enfim, V. S. Alexander nos propicia um interessante e qualificado retrato daqueles tempos bruto, e com êxito nos coloca diante da degradação humana em uma época em que todas as bestialidades estavam a rua. Neste sentido, mais que uma sobrevivente, sua narradora é uma testemunha daqueles dias e acaba reforçando o quão deve-se lutar para que tais coisas não voltem a repetir, visto que o final é sempre desolador, mesmo para aqueles que como Magda possam ter sobrevivido, que possam te amado em épocas tão hostis.
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