O Blog Listas Literárias leu Noite Grande, de Luis Gustavo Cardoso; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - Noite Grande reúne uma boa diversidade de versos que tratam dos diferentes anseios humanos e da própria arte de poetar, e que entre uma página e outra, alguns elementos que afligem os diferentes "eus líricos" vão sobressaindo-se de modo que constrói um todo deveras interessante e com algumas temáticas que se imbricam e interligam de forma notória;
2 - Por exemplo, os diferentes poemas que adentram a simbiose homem-natureza, que de forma até uma tanto naturalizada fazem disto uma coisa una e cuja relação demanda reflexões e pensamentos, que em geral, nos poemas, nos levam a um ciclo existencial e fortalece a temática da travessia, presente em muitos poemas. Dentre outros, esse uno, humano-natureza temos os poemas "De manhã", "Dois Cães", "Formiga Rainha"...
3 - Tais poemas, aliás, na soma do todo fazem transpirar de seus versos certa desolação e melancolia que apresentam alguma resignação, ou até mesmo desesperança e desilusão, que mesmo nas mais otimistas estão presentes, mesmo como um incômodo disfarçado que nos fala de coisas que nos provocam estranhamento e tensão;
4 - Tais elementos encontraremos, por exemplo, em "Carnaval" e "Constance", este último que traz outro elemento recorrente à obra, a morte, que tanto como travessia ou encerramento finito de um ciclo permeará um bocado seus"eus líricos", caso do próprio poema que dá título à publicação, "Noite Grande" e outros como "Ano Todo", "Caminhada", "Memória dos homens"...
5 - Além disso, o poeta não carrega como herança dos modernistas tão somente a fluidez dos versos livres, mas também a ironia, ora sutil, ora mais pesada e sarcástica, como em "Poema Saliente" e no antiacademicista "Receita de Bolo";
6 - Nessa linha crítica, "Resumo Biográfico da Ópera à Brasileira" traz uma leitura crítica interessante nesses tempos polares colocando em discussão os princípios libertários da arte, a adjetivação empobrecedora a quem oponho, a não aceitação do pensamento incômodo, tudo isso em linhas que nos levarão à discussão acerca da amoralidade da arte, ponto de chegada possível apenas aos desprendidos de discussões marcadas e posicionadas;
7 - Atento ainda, para no trabalho do autor, a relevância do corpo, o que até é bastante natural na obra cuja naturalização e relação de corpo-natureza-humanos é uma presença forte e intrigante que por certo demandaria estudos profundos;
8 - Além disso, reforça-se aqui toda a riqueza intertextual das vozes distintas que permeiam os poemas de Luis Gustavo, uma riqueza reconhecível a literatos e poetas. Uma riqueza presente nos seus metapoemas que versam da prática do poetar e do fazer poético como "La Mer" e noutras construções em que as vozes de influências alcançam um novo significado;
9 - A despeito do tamanho da lombada de um livro de poemas, convém lembrar, não engane-se por parcas laudas, pois ler e interpretar poemas exige a cada página o mesmo que dedica-se ao um romance por inteiro. Numa antologia de poemas, cada página é um mundo, e requer uma crítica para cada uma delas. Por isso, destaco aqui minha leitura do ótimo "A Bunda e a Cabra" porque reúne o conjunto de elementos que sobressaltam no todo, unindo o humano e o natural nessa tal simbiose cíclica diminuindo fronteiras entre eles em versos antropomórficos que recorrem de certo modo até mesmo ao nosso passado antropofágico e tem já no título corpo e símbolo, porque afinal, no caso do Brasil, usar o termo "bunda" nunca é aleatório;
10 - Enfim, ainda que a poesia não seja o forte deste leitor que vos escreve, e com isso dizendo que qualquer falha interpretativa é minha, Noite Grande é uma antologia pungente em que cada palavra e verso são lapidados com precisão e carregados de intenções, o que faz do conjunto, um todo bastante vigoroso, ainda que, no meu caso, tenha observado que no se estender para a prosa lírica há uma certa perda se comparado aos poemas. Dito isto, e reforçando o jogo de contrastes elaborados e a precisão das palavras contidas na publicação apresentam-nos uma obra de profundidade e de essência, cujo bom exemplo, é o dístico "Deus existe/e é triste." cuja economia de palavras contrasta com as gigantescas possibilidades de debates e interpretações reunidas nesta única página.
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Resenhas