10 Considerações sobre Léxico Familiar, de Natalia Ginzburg ou muito além das parvoíces

O Blog Listas Literárias leu Léxico Familiar, de Natalia Ginzburg publicado pela editora Companhia das Letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 – Léxico Familiar é uma narrativa interessante e necessária em que os limites entre registro histórico e literatura são esgarçados, pois como a autora anuncia como advertência “neste livro, lugares, fatos e pessoas sãos reais” mas talvez “deva ser lido como se fosse um romance”. Tal informação mais do que relevante ao leitor que principia a narrativa, é demonstração do domínio de quem compreende a particularidade da própria obra, habitante das linhas limítrofes dos gêneros;

2 – É justamente esta característica que faz do livro uma ampla possibilidade de leituras e interpretações, e possibilita ainda que a narrativa dispare gatilhos das próprias memórias dos leitores, imbuídos a mergulharem em suas lembranças pessoais enquanto acompanha a história da autora. Assim o próprio leitor percorre sua identidade como faz a narradora;

3 – Natalia Ginzburg narra então sua própria experiência de tal forma como se fosse um romance memorialístico. Autora de diversos livros e cuja família judia fez parte da resistência antifascista na Itália pré e durante a Segunda Guerra, nesta obra com sutil leveza e uma sinceridade ingênua, capaz de expor defeitos e imperfeições tornam suas páginas bastante intimistas;

4 – Temos então as reminiscências de tempos sombrios narrados de certa forma eufemística, pois há uma certa distância entre os horrores reais e as palavras às vezes doces, mesmo quando a autora revisita os momentos mais tensos vividos pela família, pois a despeito de leveza difícil que Ginzburg consegue dar às suas lembranças, sob o fundo disso tudo, a intolerância, a perseguição e o fascismo povoam a memória da autora tanto quanto a perseguiram na vida real;

5 – É nesse sentido que possivelmente a origem burguesa da autora surja como força capaz de amenizar a violência sofrida, pois ao resgatar suas lembranças, a autora muitas vezes nos apresenta que embora uma presença preocupante, o fascismo e o racismo sempre manteve certa distância deles, sempre envoltos por determinadas bolhas protetivas, e cuja narrativa mantém ainda a distância aos excluídos e afetados em primeira instância pela guerra;

6 – Todavia, é uma construção narrativa que embora feita de lembranças reais, coloca-nos diante personagens interessantíssimos, figuras postas sob uma luz que numa olhada superficial parecem protegidas de críticas, mas que estão ali, jogadas à luz das imperfeições pela sinceridade quase utópica que a autora dá às suas memórias.

7 – A sensação que temos é que a autora ao apresentar-nos às suas experiências e os outros que as compartilham, é que o faz com uma tessitura muito próxima da experiência concreta com imperfeições e com suas virtudes, de modo que somos levados a crer que os vemos pelos olhos da autora as personagens o mais próximo do que elas são, e que com isso lhes confere uma credibilidade e uma autenticidade que nos faz mergulhar por completo na experiência;

8 – Por estas razões, ler Léxico Familiar, especialmente em tempos como estes, em que as pessoas parecem querer os mesmos erros do passado, menos entretenimento (que não seria de modo algum o caso) ou uma leitura histórica, ler esta obra é uma necessidade que expõe as diferentes nuances da barbárie que são os pensamentos intolerantes, autoritários e totalitários;

9 – Isso porque a narrativa, mesmo em sua candura, revela que quando tais pensamentos começam a tornar-se hegemônicos, toda a sociedade está sob risco e jamais imune às suas violências, porque não há bolha protetiva que o exista que seja capaz de livrar-nos das mãos do fascismo, mesmo que você ache que tal coisa nunca lhe aconteça, visto que onde estiverem pessoas de pensamento livre, tais doutrinas totalitárias agirão sempre para tentar reprimi-los;

10 – Enfim, somadas aqui todas nossas considerações, junta-se a elas o fato que a obra é também um testemunho de resistência e uma obra de resistência, que de algum modo também nos prepara e nos ajuda a enfrentar os desafios do hoje porque a memória de Natalia Ginzburg é também uma importante fotografia de tudo que temos de lutar em nosso porvir;



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