O Blog Listas Literárias leu O mau exemplo de Cameron Post, de Emily M. Danforth publicado pela Harper Collins; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 - O mau exemplo de Cameron Post foi uma leitura capaz de surpreender, por suas virtudes literárias, sobriedade de argumento, recursividade e acima de tudo, tratar de uma questão em efervescência com a sobriedade necessária a desnudar a insensatez do preconceito e da intolerância;
2 - Narrado em uma primeira pessoa cuja subjetividade trabalhada com cuidado estético dá verossimilhança à narrativa e leva a protagonista-narradora-personagem Cameron Post a uma categoria das personagens complexas e relevantes para a literatura, o romance conta a história da garota, que ao descobrir-se e revelar-se homossexual, enfrenta a oposição da família, no caso uma tia que a envia para uma dessas instituições que pregam a "cura gay" nos Estados Unidos, e seus questionáveis métodos;
3 - Cameron Post, aliás, é uma jovem órfã, que perdeu os pais e mora com a avó e a tia religiosa, nascedouro dos conflitos entre as duas, exacerbados após as primeiras experiências homossexuais de Cameron quando um caso torna-se público na igreja, e a garota então é enviada para ser "consertada" criando o conflito a partir da rejeição e mesmo do desconhecimento e do preconceito perpetrados por bases teológicas aliadas a uma pseudociência, algo que Cameron encontra na Promessa, uma instituição tão incapaz de "curar" algo quanto qualquer outra que se baseie nestas premissas;
4 - Um elemento interessante do livro, que embora escrito nesta nebulosa e intolerante década, a autora retrocede ao final dos anos 80 e anos 90 para ambientar e construir o pano de fundo de sua narrativa, o que confere ao livro todo um espectro interessante;
5 - Além disso, Cameron é uma cinéfila de primeira, o que contribui muito para sua visão de mundo, que é compartilhada com o leitor, além de reunir uma grande quantidade de referências capazes de construir um interessante quadro cultural daqueles anos, claro, sob a perspectiva de Cameron, que aliás, nos narra para além do acontecido, talvez em nosso tempo presente, e embora tenhamos poucas pistas para os acontecimentos pós narrativa, a história narrada por ela é um ponto de seu passado;
6 - Tudo isto faz de Cameron, especialmente no que diz respeito a sua sexualidade, ter muita personalidade, pois em momento algum, mesmo diante tantos ataques e criações de dúvidas, ela titubeia, talvez aí a única fragilidade de sua constituição, pois salvo dúvidas pontuais e uma ou outra reflexão e questionamento ligados geralmente a perda dos pais, a protagonista não sede e não fraqueja em momento algum, deixando-a então mais próxima de uma heroína, do que uma figura humana impactada pelo sofrer, o que não lhe falta durante a narrativa;
7 - Todavia, talvez seja por causa deste perfil que ela consiga estabelecer-se na instituição Promessa mantendo a lucidez e a sensatez de sempre, o que não ocorre a muitos de seus colegas, tristes exemplos das atrocidades que podem ser cometidas contras aqueles que não entendemos, não compreendemos, não aceitamos...
8 - Nesse sentido, a parte final do romance apresentará passagens bastante dramáticas e as quais Cameron Post testemunhará até onde pode levar a aflição e a dor impetradas àqueles que são proibidos de vivenciarem seus próprios "eus";
9 - Não deixa de ser, portanto, um livro de resistência aos que não aceitam ou não toleram a liberdade do "eu alheio". Com muita lucidez e equilíbrio o romance é capaz de desconstruir qualquer discurso apologista à "cura gay", de modo que é um convite e um chamado à razão dos intolerantes, mas que desconfio, nada leem, especialmente o que lhes contradiz;
10 - Enfim, o livro, diferentemente de algumas produções LGBT que li recentemente, não discute a questão de forma pobre ou banalizada, mas sim com uma obra bem estruturada, lúcida e com qualidades literárias que dão força ao discurso, constituindo assim uma voz relevante para toda a sociedade ao argumentar com eloquência pela liberdade de cada um ser como quiser e desejar ser, de modo que o mau nunca deveria ter composto o título da obra, nem mesmo sobrescrito. Desde o princípio, Cameron Post é um bom exemplo de autenticidade e vigor intelectual.
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Resenhas