10 Considerações sobre Jardins da Lua, de Steven Erikson ou como acessar os labirintos

O Blog Listas Literárias leu Jardins da Lua, de Steven Erikson publicado pela editora Arqueiro; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 – Jardins da Lua é uma narrativa ambiciosa que procura construir um universo complexo habitado por diferentes raças e seres em meio a uma guerra que recebe o leitor em pleno movimento dos combates por quais perpassam seus personagens com diferentes interesses e conflitos enquanto precisamos através destes movimentos ir aos poucos tentando compreender o contexto global daquela ação de intensa atividade e recheada de magia, golpes e lutas;

2 – É portanto um universo fantástico bastante rico e complexo no qual os leitores são jogados sem qualquer amaciamento, e diga-se aqui, algo proposital confirmado pelo próprio autor no prefácio da obra. Isso significa então que somos “atirados” no centro da ação, ou seja, onde menos se busca compreender as artimanhas políticas e do poder e mais se tenta sobreviver a cada combate, que é o que precisam fazer os personagens que acompanhamos, envoltos por uma guerra que às vezes lhes soa incompreensível e que em vários momentos se dificulta saber quem são os inimigos;

3 – Além da opção do autor e da complexidade narrativa que se dá por essa escolha, tudo embrenha-se de sombras e perigos porque no meio de todo este confuso movimento de peças, tanto leitores quanto os personagens terão de lidar com a dissimulação e das distintas intenções presentes em diferentes personagens e muito como, nas diferentes intenções constantes num único personagem que às vezes carrega mais de uma bandeira em suas batalhas;

4 – Aliás, a dissimulação é uma das grandes particularidades da narrativa, pois ainda que não tenhamos a exposição em panorama dos conflitos ou a presença de explicações sobre fatos, atos e acontecimentos, é justamente pelo mover-se dos personagens e suas aparentes ou não dissimulações que muito lentamente o leitor irá construindo seu olhar para o todo, e que só é possível por que o autor ainda concede uma vantagem aos leitores que é justamente poder acompanhar diferentes personagens em diferentes locais da guerra, que de certo modo minimiza os efeitos do “jet lag” da chegada ao cerne de um conflito que já está posto e que obriga-te apenas mover-se;

5 – Essa opção por não explicar, apenas apresentar pelos fatos e acontecimentos se reflete em todas as partes da narrativa, inclusive em seus elementos mágicos e fantástico os quais não surgem pela explicação, eles apenas ali estão, acontecem, e da forma e como acontecem é que darão “as explicações” ao leitor de modo que este produza seu próprio olhar e interpretação, como é o caso dos labirintos, pois não se precisa explicá-los, eles estão ali, ligando mundos e passagens pelo universo de Erikson;

6 – Todavia vale destaca que além de ambiciosa, a escolha e a opção narrativa de Erikson é também corajosa porque por ser o que é, ela torna-se um tanto truncada, inclusive por seu estilo seco e direto sem qualquer arroubo a floreios ou rebuscados que geralmente surgem em obras do gênero. Além disso, por boa parte da obra, o leitor assim como seus personagens, navega por páginas obscuras sem ter muita clareza para onde os movimentos o levarão;

7 – Por outro lado, isso não deixa de ser também uma vantagem, já que lhe confere identidade e vozes própria pois ainda que carregue elementos e referências de outros trabalhos de espada e magia e mesmo do RPG, isso se dá dentro do esperado, e assim o livro consegue apresentar-se como bastante único para compor a diversidade do gênero;

8 – Ademais a escolha por jogar seus leitores direto à ação concede-lhes a possibilidade da experiência, da surpresa, do reconfigurar de percepções e escolhas, pois gradualmente ao passo que os personagens se movimentam é possível compreender melhor a jornada de sobrevivência e os valores tão distintos que compõe o livro e seus personagens de tal modo que é possível vivenciar a jornada de aventura em meio ao movimento constante e as altercações de posicionamentos em meio ao combate, no aquecer das batalhas, no miolo de uma guerra em que diferentes desejos estão em jogo;

9 – Ou seja, o leitor ultrapassando a barreira do truncado e da confusão inicial da complexidade que lhe é imposta pela falta de tempo para respirar ou mesmo de conhecer os personagens que já lhe surgem no campo, na ação, aos poucos este leitor poderá ir construindo suas posições, suas escolhas e com isso ir superando o ritmo lento e cuidados exigido pela leitura que escamoteia no tilintar das espadas um jogo bastante complexo, confuso e em pleno movimento;

10 - Enfim, acima de tudo Jardins da Lua é de fato um universo gigantesco e ambicioso. Uma obra em tempo de guerra que nos apresenta personagens até reconhecíveis mas bastante únicos também em seu universo, que para além dessa diversidade de existência possui mitologia e passado bastante fantástico e grandioso que dão ao mundo de Erikson existência própria. Além disso, para os que preferem a ação à reflexão este é um romance que dá pouco espaço para a política visto que em Jardins da Lua o discurso ou é a espada ou é a magia.




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