O Blog Listas Literárias recentemente leu o livro de contos, O Mosaico, e curtiu bastante. Por isso resolvemos entrevistar o autor que nestas 10 perguntas conversamos sobre literatura, o ofício de escritor e também sobre a obra, confira:
{01} L.L.: - O conto é um gênero aparentemente fácil mas de grandes desafios. Como foi seu processo de escolha pelo gênero e como você observa a atuação dos contistas na literatura brasileira?
N.S.: – Essa é uma questão complexa em literatura. Temos Maupassant e Faulkner que acham o conto um gênero mais difícil de escrever do que o romance. Machado de Assis e Jorge Luis Borges tem opiniões semelhantes. O que eu realmente penso é que a facilidade em escrever contos, romances ou poesias depende do estilo e das referências literárias do escritor. Para alguns, pode ser mais fácil o conto. Para outros, pode ser o romance.
Eu comecei escrevendo poesia na minha adolescência, e, aos poucos, fui me voltando para prosa. Aos 16 eu já escrevia contos, crônicas e ensaios. Pessoalmente, acho muito mais fácil escrever contos que textos maiores, como romances ou novelas.
O Brasil sempre teve grandes contistas, apesar de os romances e novelas venderem mais. Ainda assim, há nomes muito importantes nesse gênero, como Machado de Assis, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan etc.
{02} L.L.: - O Mosaico é composto por contos de fantasia híbrida com ficção científica urbana, algo com poucos autores no Brasil. Como você observa isso especificamente?
N.S.: - De fato, a ficção científica é um gênero ainda pouco explorado por escritores brasileiros. Também não é gênero que os brasileiros leem muito. As histórias de fantasia, de Tolkien a J.K. Rowling, e até mesmo G.R.R. Martin, sempre tiveram muitos leitores aqui no país.. É verdade que autores como Isaac Asimov e Arthur Clarke tiveram muitos livros editados no Brasil. Também não é difícil encontrar os livros de P. K. Dick, Willian Gibson, entre outros.
Mas é inegável que o interesse pelas temáticas da ficção científica, especialmente a distopia, tem crescido bastante no Brasil nas últimas décadas. Nesse aspecto, a popularização da ficção científica não aconteceu somente através da literatura, mas também graças a diversos filmes, séries, games e histórias em quadrinhos, que trazem a temática.
{03} L.L.: - Aliás, sua obra lembrou-me os contos de Ruas Estranhas organizado por George R. R. Martin, mas que é claramente influenciada por nomes como Lovecrat e Doyle. Fale-nos mais de suas referências e influências literárias?
Eu sempre tive um contato íntimo com literatura. Os primeiros livros que eu li na vida foram os do Conan-Doyle e Julio Verne, ainda bem jovem, logo após a alfabetização. Minha avó tinha essas duas coleções (que eu peguei para mim, recentemente), 5 livros do Julio Verne, e uns 8 ou 9 do Conan-Doyle – praticamente, todos os livros que tem o Sherlock Holmes como personagem. Foi por causa dessas leituras que eu comecei a gostar de histórias de investigação e ficção científica.
Quando cheguei no ensino médio, comecei a ler bastante. Foi nessa época que eu conheci as obras de Poe e Lovecraft. De tempos em tempos, sempre releio esses autores. O horror cósmico do Lovecraft é uma das minhas principais fontes de inspiração, e permeia toda a primeira metade do livro.
Tenho uma enorme reverência pelos escritores eslavos do séc. XIX e XX. Li boa parte dos grandes eslavos, como Turgueniev, meu favorito, Dostoiévski, Gógol, Tchecov, Tolstoi etc. Meu pseudônimo eslavo foi escolhido por isso. E também porque eu sou descendente de eslavo, apesar de não ter o nome.
Eu comecei a ler a ficção científica utópica do Verne, mas foi a distopia que realmente me chamou a atenção. 1984, Laranja Mecânica, Admirável Mundo Novo e Fahrenheit 451 foram os primeiros livros que eu li sobre o assunto. Uns bons anos mais tarde, conheci a literatura cyberpunk de William Gibson e os contos e romances do Phillip K. Dick. Entre outros autores.
Ainda assim, há claras influências de dois autores de ficção científica utópica, Isaac Asimov e Arthur Clarke. A eternidade é uma óbvia influência do livro “o fim da eternidade”, do Asimov. Raças alienígenas misteriosas e suas estranhas tecnologias também são uma referência a série de livros mais conhecida do Clarke, a “Odisseia no Espaço” (2001, 2010, 2061 e 3001).
{04} L.L.: - Além disso, a forma como estrutura seus contos brinca com a ficção e o próprio estilo estrutural de texto acadêmico. Vem a ser uma marca ou não tinhas a intenção disto?
N.S.: O conto O Mosaico tem uma história curiosa. Em 2010, estava no meu primeiro ano de mestrado na Puc-SP. Como atividade de fim de semestre, o professor havia pedido que fizéssemos um texto curto, de duas a três páginas, sobre o que foi aprendido na disciplina. Foi nessas aulas que eu entrei em contato com a Teoria Geral de Sistemas, teoria do caos etc. Tendo isso em mente, decidi fazer um conto ao invés de um texto dissertativo comum. Tudo o que está no conto O Mosaico foi aprendido nessa disciplina.
Então, as citações acadêmicas começaram a aparecer. Propositalmente, eu queria criar um texto que conseguisse unir a ficção e o conhecimento acadêmico. Certamente, é um caminho que eu pretendo seguir, e aprimorar em obras posteriores.
{05} L.L.: - Ainda sobre os contos do livro, temos também a presença clássica da presença detetivesca em meio a perturbações temporais, e diga-se, funciona bastante bem. Como você avalia o personagem "detetive" na literatura? É alguém a sempre nos cativar interesse?
N.S.: Podemos ver histórias de investigação logo no início da literatura. Mas devemos o estereótipo do detetive, como o conhecemos, à Edgar Allan Poe. Todos os escritores de investigação devem muito ao Auguste Dupin. Inclusive serviu de inspiração para o detetive Augusto Albuquerque. O nome Augusto não está aí por acaso.
Evidentemente, quando pensamos em histórias de investigação, pensamos na dupla Sherlock Holmes e John Watson. Claro que Arthur Conan-Doyle foi muito influenciado por Poe em uma série de aspectos. Como o fato do investigador não ser da polícia, ter um companheiro-ajudante narrador e ser uma personagem exótica. Mas é com Conan-Doyle que a figura do detetive outsider e atormentado aparece mais claramente. Todos sabem dos vícios em heroína, cocaína e, algumas vezes, opiáceos, do Sherlock Holmes.
O arquétipo do detetive atormentado, geralmente com algum vício, influenciou não só a literatura, mas também, e principalmente, o cinema noir. É de praxe nesses filmes ter detetive particular que fuma e bebe o dia inteiro.
De fato, essa é uma das razões do Augusto Albuquerque fumar maconha. O investigador movido a álcool e tabaco é algo muito característico do século XX. Optei por essa substância, pois não é tão comum a encontrarmos em boa parte das histórias. E como o início do século XXI está marcado pela legalização da maconha, tanto o uso medicinal quanto o recreacional, achei apropriado.
{06} L.L.: - Conte-nos também como surgiram os contos de O Mosaico. Suas inspirações? Motivação?
N.S.: Eu já havia falado de algumas influências literárias acima. Claro que livros sempre serão a principal influência para um escritor. Mas fui muito influenciado por outras mídias, principalmente games, séries, filmes e quadrinhos.
No campo dos games eu tenho três influências principais: Trilogia Mass Effect, Fallout (todos) e Deus Ex (todos também). Há outros jogos que eu gosto, mas esses foram os que mais me influenciaram na ficção científica. Mass Effect foi particularmente importante para a criação do conto O Imperador Rubro e o Signo Amarelo. Podemos dizer que o Imperador é uma espécie de Shepard com ambições políticas (num meio termo entre Renegade e Paragon), e o próprio Conselho Galáctico também segue essa inspiração.
Eu comecei a ver muita série há uns 6 anos atrás. Vejo muitas séries, mas tem algumas que são especialmente importantes na minha formação: True Detective (só a primeira temporada), Luther, o próprio Sherlock da BBC é ótimo (exceto esse fim da 4° temporada, que foi muito ruim). Apesar de eu conhecer Lovecraft há muito mais de uma década, não conhecia Robert Chambers e as histórias ao redor do Rei de Amarelo. Foi o True Detective que me apresentou ao Chambers.
Por fim, nos quadrinhos, li muita coisa cyberpunk. Akira é sensacional (tanto o mangá quanto o filme animado), Ghost in the Shell também é um clássico. Cowboy Bebop é excelente.
{07} L.L.: - Fugindo um pouco da obra, como você avalia as possibilidades para novos autores? Além disso, como vê a questão também para contistas? Eles encontram maiores dificuldades comparados a romancistas?
N.S.: De certa forma, nunca esteve tão fácil publicar. Existem muitas editoras de pequeno e médio porte que aceitam obras de escritores desconhecidos. Entretanto, é muito difícil um escritor iniciante ser publicado por grandes editoras brasileiras. Há também a opção de se publicar ebooks direto pela Amazon.
Sobre a questão de publicar contos, eu tive uma sorte dupla. A editora Chiado, de Portugal, não pode ser considerada uma editora pequena. Além disso, contos, no geral, não vendem tão bem quanto romances. Muitas editoras nem sequer consideram publicar um livro de contos de um autor desconhecido.
{08} L.L.: - Você lançou O Mosaico no Brasil e em Portugal, pode contar-nos como tem sido a repercussão e a recepção da obra?
Por eu ser um escritor desconhecido, sem contatos na imprensa tradicional, não saiu nenhuma resenha em jornais ou revistas, o que iria aumentar bastante a divulgação. Para contornar esse problema, eu tenho mandado meu livro para muitos blogs e sites. Até agora, foram umas 7 ou 8 resenhas, todas muito positivas (eu comecei a divulgar o livro em novembro).
Lancei o livro em 3 cidades: São Paulo (na Martins Fontes da Paulista), Londrina (Livraria da Vila) e Lisboa (Livraria Ler Devagar). Todos os lançamentos foram ótimos. Um sonho realizado. E ajudaram a divulgar o livro. O lançamento na Ler Devagar de Lisboa deve ter sido o dia mais feliz da minha vida. A livraria é fantástica (tem fotos do lançamento no facebook do livro), teve leitura de alguns trechos da obra, sessão de perguntas e bate papo sobre o livro.
Tive alguns retornos bem positivos em Lisboa, mas mesmo assim, ainda tem muito trabalho a ser feito, até que o livro seja minimamente conhecido.
Também tenho utilizado as propagandas do Facebook, como forma de divulgar o livro e as resenhas feitas até então. Os resultados tem sido muito bons! E isso é mais outro aspecto que facilita a vida do escritor. Fazer divulgação na época pré-internet, não só era muito caro, como difícil.
{09} L.L.: - Quanto a ficção científica, como vê o público leitor deste gênero? Há espaço para crescimento de leitores ou trata-se de um nicho ainda restrito quando falamos em produção nacional?
N.S.: Como eu havia dito numa questão anterior, ficção científica ainda não é um gênero muito popular. Melhorou bastante nos últimos dez anos. Lembro-me que há dez, quinze anos atrás, era bem difícil encontrar livros de ficção científica. Voltando ao exemplo do Isaac Asimov: ele sempre foi publicado no Brasil, mas perto dos anos 2000, a maior parte dos seus livros estavam esgotados no Brasil. A única alternativa era garimpar nos sebos, e torcer para achar algo. Hoje em dia, não só as edições antigas são facilmente encontradas na Estante Virtual, como há muitas novas edições, lançadas em anos recentes. O próprio Phillip K. Dick, há vários livros disponíveis.
Claro que, hoje em dia, há algumas editoras publicando ficção científica, mas talvez o grande nome editorial, no Brasil, seja a Aleph. A editora tem um catálogo excelente. Como o número de escritores de ficção científica publicados no Brasil cresceu bastante, então posso supor que essa temática está cada dia mais popular.
{10} L.L.: - Para finalizar, além de suas considerações finais, como enxergas a literatura brasileira para os próximos anos? Também o que esperas como autor a partir desta sua estreia?
O número de leitores no Brasil ainda é muito baixo, mesmo se comparado aos países da América do sul, especialmente Uruguai, Chile e Argentina. Esse é um gargalo educacional crítico. Mas nos últimos anos houve um crescimento considerável de leitores. Nisso eu posso apontar 2 causas possíveis:
- o barateamento do livro – pode-se comprar livros de sebos, por sites como a Estante Virtual, que geralmente estão menos da metade do custo em livraria. Ainda não houve um barateamento expressivo dos ebooks – ao menos não na maioria dos casos, mas certamente os ebooks, mesmo que pouco, ainda colaboraram com esse crescimento
- Algo que o Henry Jenkins chamou de Era da Convergência. Histórias não são mais contada em uma mídia, agora a narrativa atravessa todas as mídias. Temos muitas adaptações de livros e quadrinhos, que acabam divulgando a obra original, tanto no cinema quanto nas séries. Então, para a pessoa conhecer essas histórias profundamente, ela acaba sendo levada a consumir outras mídias. O caso do Harry Potter, da J. K. Rowling, é emblemático nesse aspecto. Claro que o livro vendeu milhões de cópias por si só, mas é inegável que os filmes ajudaram a consolidar essas histórias e personagens no imaginário social. O caso dos filmes derivados dos livros do Tolkien, como o Senhor dos Anéis, são a mesma coisa.
Como autor, eu tenho três possibilidades:
- Eu tenho um romance cyberpunk que se chama O Fim do Projeto Europeu. Essa história se passa num futuro próximo, daqui uns 30 anos. Comecei a escrever em 2006 e abandonei. Deve ter mais de 150 páginas de word (o que dá quase mais páginas do que o meu livro de contos). Mas esse é um projeto bem audacioso, até pelas temáticas que pretendo abordar (o fim da democracia liberal, as terríveis consequências do aquecimento global no futuro, a tecnologia sendo usada para propósitos obscuros etc).
- A minha segunda possibilidade era exatamente o plano original: fazer um livro de contos, com uns 15 ou 16 contos, que seriam continuações/prelúdios das histórias da primeira coletânea. Nada muito diferente do que eu já fiz no primeiro livro.
- A terceira hipótese envolve minha ida a Portugal. Existe uma cidade medieval chamada Óbidos, e lá há uma espécie de residência artística. Eu estou preparando um projeto para apresentar nesse fim de ano, para talvez se candidatar a morar um tempo nessa cidade. Se o projeto for aprovado, eu posso morar um tempo lá, enquanto produzo um romance. A minha ideia é escrever um romance sobre um caso investigativo na cidade, com o detetive português Augusto Albuquerque como personagem principal.