10 Considerações sobre Hyde, de Daniel Levine ou porque nem todo monstro é o que parece ser

O Blog Listas Literárias leu Hyde, de Daniel Levine publicado pela editora Record, neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Hyde é uma proposta interessante que acima de tudo demonstra a capacidade da literatura de se recriar e remontar trazendo novas perspectivas a velhas e conhecidas histórias como é o caso de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson (cuja edição integral acompanha o livro) revisitado por Daniel Levine, que de certa forma caminha em direção oposta ao original;

2 - E as diferenças ao original surgem já na escolha narrativa, pois se no original temos uma voz em terceira pessoa que abarca diversas passagens do estranho caso de Dr. Jekyll, nesta obra, que já pelo título percebemos, opta por tentar construir uma nova perspectiva sob o ponto de vista de Mr, Hyde, e para tanto se constrói pela narrativa em primeira pessoa deste;

3 - Justamente por isso devemos levar em conta o momento que Hyde nos conta sua versão da história, trancado num gabinete consciente do trágico desfecho por vir ele rememora sua estranha existência jogando novas luzes e debates sobre a narrativa original propondo, logicamente uma nova forma de compreender a estranho caso;

4 - Contudo, ao fazer isso, o livro inverte em parte o principal da essência do original, uma obra que tenta debater a dualidade das pessoas através de suas ações e sentimentos ao nos revelar a porção má e a porção boa existentes num único homem; porém, em Hyde essa dualidade e distinção praticamente rui ao passo que esse novo romance nos leva (ou possibilita) a uma conclusão de que Dr. Jekyll e Mr. Hyde nunca foram dois (duas personalidades), mas faces complementares de uma única existência cuja linha de distinção entre ambos é muito tênue e inexistente;

5 - Além disso, em Hyde, essa classificação vigente até então, Jekyll bom, Hyde mau, é desconstruída completamente já que Levine teoriza e lança sombras de dúvidas sobre quem realmente era mau ou bom nessa trama. Entretanto, devemos nos lembrar que a narrativa em primeira pessoa é logicamente menos confiável do que o distanciamento de uma voz em terceira pessoa, mas ainda assim a narração de Hyde consegue nos cooptar para as dúvidas que lança;

6 - E para realizar tudo isso, o romance usa das lacunas e das pistas existentes na trama original para a partir de determinados trechos e momentos (aos quais se mantem fiel) do clássico, ampliar a narrativa, e ao fazer isso ainda consegue produzir algo novo, criando assim uma nova história conseguindo não contradizer o que esta explícito no original;

7 - Assim, temos uma obra que mantem o suspense e a carga dramática e tensa do original acrescida por uma aflição ampliada já que quem nos conta esta trama é praticamente um animal acuado, odiado e incompreendido cuja versão pede justiça pela forma como sempre nos acostumamos a vê-lo;

8 - Da mesma forma é preciso dizer que justamente esse caráter psicológico da trama, ampliado pelo fato de ser em primeira pessoa e o mergulho numa mente confusa, numa personalidade marcada por traumas, a leitura da obra em muitos momentos parece coberta por uma névoa que nos enreda e nos confundo, especialmente quando Hyde e Jekyll estão muito próximos um do outro;

9 - Ou seja, o livro nos entrega os mesmos elementos presentes no original e amplia a ação, suspense e em determinados momentos a atmosfera de terror do livro, ao mesmo tempo que caminha para uma unificação de personalidades distintas e apartes da trama clássica, de certa forma individualizando a natureza dúbia de ambos ao propor que mesmo com os estranhos fenômenos e a aparente dissociação de suas personalidades, ambos eram um só;

10 - Enfim, Hyde é uma leitura diferente, sua propôs deve certamente dividir fãs ortodoxos e leitores que conseguem observar essa nova visão sobre o estranho caso. Com uma leitura carregada cheia de tensões e conflitos, a obra ainda é de interessante relevância para as discussões acerca da criação literária e as possibilidades variadas de se observar determinadas criações, mantendo-se fiel ao original ao mesmo tempo que se distancia por caminhos diferentes.

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