10 Considerações sobre Descobri que Estava Morto, de J. P. Cuenca ou como morrer estando vivo

O Blog Listas Literárias leu Descobri Que Estava Morto, de J. P. Cuenca publicado pelo selo TusQuets do grupo Planeta; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1- Descobri Que Estava Morto é uma obra marcada pela fragmentação, pela crítica e pela acidez de um olhar desesperançoso sobre o ambiente mesclando ficção e realidade cujas fronteiras ora parecem mais nítidas ora mais esgarçadas resultando num trabalho a ser observado e analisado com muita atenção para não correr-se o risco de deixar passar algum de seus elementos interessantes;

2 - O livro parte de uma premissa de narrar a partir de algo acontecido com o autor, a descoberta que um cadáver fora identificado com seu nome em 2008, mesclando com isso ficção e realidade, mas cuja sensação é de quanto maior o afastamento do real, mais próximo do literário e de suas discussões embora fique com o leitor o que é o "quase tudo verdade" confessado pelo autor e o que foi pincelado ficcionalmente tendo com isso um produto final de difícil classificação pois se por um lado inicialmente pode-se pensar num thriller logo veremos que o livro vai caminhando, caminhando, até tornar-se algo diferente;

3 -  E nesse caminhar da narrativa temos na verdade uma grande busca, e não uma busca por solucionar o mistério do J. P Cuenca morto, mas talvez uma busca constante pelo que a personagem Maria da Glória resume sobre o autor "parece que você procura a tragédia, mas acaba dando de frente com a farsa" visto que o romance tem um bocado desse sentimento, das tragédias que estão mais para farsa e principalmente por um vazio enorme que parece carecer de preenchimento que aqui é escancarado com bastante verborragia e compensações sexuais grupais ou solitárias cuja revelação parece ser sempre da solidão;

4 - Aliás, partimos de um pressuposto que é a farsa concreta, o cadáver identificado duas vezes, as pontas que não se ligam e o próprio fato de perambularmos por estradas nem só de ficção, nem só de realidade. A farsa é elemento estruturante do romance, contudo é a sensação que surge de suas diferentes farsas que se sem impõe o grande vazio, talvez a principal temática presente no livro;

5 - Então, com tudo isso, o leitor tem diante de sim um verdadeiro quebra-cabeças narrativos, partes unidas mas que escancaram diferentes momentos de um narrador que vive a intensa busca pela sua história, que se enche de perguntas e questionamentos perante sua própria existência pendendo para muitos momentos a autodepreciação, à fuga, mas ao mesmo tempo que não deixa de ser o autor, de transpor para o papel seus gritos e seu olhar pesado sobre a sociedade que o cerca;

6 - Esse olhar de Cuenca para sobre o mundo que o envolve talvez seja a principal das virtudes do seu romance. Ainda que amargurado e ácido, seu olhar para com o Rio de Janeiro recria praticamente um ambiente distópico, uma cidade pré-olímpica cuja história constrói-se de higienizações sociais, especulação imobiliária, desmandos e corrupção, ganhando com isso, inclusive caráter de denúncia, de exposição;

7 - Uma exposição de ambiente que aponta para as contradições, para o círculo vazio e destituído de criticidade que cerca o autor. Enquanto seu olhar volta-se para o todo, na ação, Cuenca coloca-se numa posição de sujeito que abdica da luta, que embora compreenda o caos a sua volta, vive em seu círculo cultural uma vida cuja grande revolução talvez seja não mover a máquina capitalista através de uma "incapacidade" para grandes ganhos financeiros;

8 - Além disso, o livro constrói-se também como um documento de discussão literária. Penetra os pensamentos torpes do autor sobre sua própria profissão e escancara certa realidades que nem sempre se discutem abertamente, o que Cuenca faz no livro muitas vezes de forma jocosa e mesmo desdenhosa aumentando ainda mais as revoluções gástricas de suas palavras, especialmente quando ele provavelmente cria uma outra persona para falar de sua própria obra;

9 - Por isso o romance não deixa de ter uma caráter de divã, ao mesmo tempo que o ambiente complementa o universo particular do autor, é na sua individualidade e nas suas incursões críticas que desvela-se toda uma angústia, sentimento que pauta o olhar do personagem/autor/real/fictício sobre o mundo, o que confere ao livro contundência e um gosto amargo da bile que não nos abandona após a leitura;

10 - Enfim, Descobri Que Estava Morto é um trabalho bastante visceral cuja interpretação não se encerra neste post simplificado. É uma obra que mexe com seu leitor, provoca o estranhamento necessário para o literário, que guarda suas contradições e suas virtuosos. Todavia é uma leitura para quem não se deixa impregnar pelo amargor de seu narrador, que guarde certa distância de sua narrativa para que se consiga ampliar as possibilidades interpretativas de uma obra que cutuca feridas ao mesmo tempo que muitas vezes provoca-as.




1 Comentários

  1. Intrigante sua resenha, pelo que entendi é um livro que analisa e questiona e vida em seu cotidiano. Me parece um excelente trabalho!!

    ResponderExcluir
Postagem Anterior Próxima Postagem