10 Considerações sobre O oráculo da noite, de Sidarta Ribeiro ou para despertar é preciso dormir e sonhar...

O Blog Listas Literárias leu O oráculo da noite, de Sidarta Ribeiro, publicado pela Companhia das Letras. Confira neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro e sua fascinante viagem pela dimensão onírica, o mundo dos sonhos...


1 - Antes de mais nada, escorrançando qualquer síndrome de vira-latismo, O oráculo da noite é um exemplo fenomenal do qualidade e relevância da ciência e dos pesquisadores brasileiros. Não é exagero algum dizer que o livro está para as neurociências o que Sapiens, de Harari está para a história humana. O livro é obra de referência e um mergulho transdisciplinar à diferentes áreas do conhecimento humano percorrendo o seu fio de Ariadne, no caso o intrigante espaço do sono e dos sonhos que no decorrer da história humana constituem uma relação profunda e complexa com nossa evolução e desenvolvimento;

2 - O início superlativo desta resenha é merecido, pois no decorrer de suas quase quatrocentas páginas, Sidarta Ribeiro nos conduz - em muitos momentos embebido no onírico - por uma viagem fascinante ao universo dos sonhos, essa prática quase tão antiga quanto a própria humanidade. E nada mais sincero e direto que o subtítulo da publicação, "a história e a ciência do sonho", pois estas duas dimensões conduzem em paralelo uma vasta, ampla e profunda abordagem dos sonhos;

3 - História porque do princípio ao fim Ribeiro põe em diálogo as descobertas das neurociências com o percurso histórico dos sonhos nas sociedades humanas, amplamente registrados, como veremos. Há, portanto, um estudo referencial bastante abrangente dos sonhos e suas implicações históricas em diferentes culturas reforçando a proximidade e atenção humana aos sonhos, que em determinado momento foi considerado como oráculo futurologista;

4 - Já ciência, não só pelo fato de trazer avanços e experimentos científicos, mas também pelo fato de desfazer mitos e enganos relacionados ao sono. O livro, antes de mais nada, é um artefato de divulgação científica, e uma ciência podemos dizer dura, no sentido de uma ciência de trabalhos e resultados empíricos relacionados ao sonho, trabalhos nas neurociências e especialmente neurofisiologia, área de Ribeiro. Durante a leitura teremos acesso a uma gigantesca apresentação dos mais diferentes trabalhos na área, estudos relacionados ao sono, ao cérebro, etc. Mas ressalte-se, o fato de ser uma obra científica, não o faz uma leitura extremamente técnica;

5 - Além disso, embora história e ciência sejam destacadas no subtítulo, diferentes áreas do saber são mobilizadas, antropologia, biologia, estudos culturais, etc. Além disso, Ribeiro, mesmo numa linha de trabalhos científicos empíricos, não promove uma separação radical entre sua ciência e a metafísica, pelo contrário, vive a piscar para a metafísica, especialmente pela forma respeitosa e curiosa como olhar para saberes ancestrais, como os dos povos ameríndios, pro exemplo. Se de um lado aos poucos os sonhos de sua natureza mística e misteriosa vão sendo mapeados em nosso cérebros e em nossas sinapses pelos diferentes experimentos relatados, sua natureza de energia cerebral acionada, por outro, Ribeiro não mata a aura mítica do sonhar;

6 - Em grande parte porque uma das principais afirmações e contribuições do livro é reforçar a relevância do sonho para a natureza humana. Quando usamos em nosso título, "para despertar é preciso sonhar", o fizemos justamente por concentrar uma das teses na obra: a relevância que o sonhar desempenha na aprendizagem humana e ainda o que o sonho contribuiu na evolução da espécie. Grosso modo, o que fica bastante explícito é o fato de que sonhar não foi e não é um acaso noturno que ou experimentamos misticamente ou sequer damos bola. Aliás, dormir, tal como o sonho, mostra-se fundamental na experiência da ação humana, de modo que, ao cabo Ribeiro demonstra a partir do relato de uma série de estudos laboratoriais que o sono e parte importante como a vigília. Mais do que isso, o sono, descobriremos, ato preparatório para os desafios da vigília;

7 - E aqui entra um dos principais elementos do livro, a libertação de Freud. Não que Freud já não o estivesse, mas a obra de Sidarta não só retoma o olhar freudiano para os sonhos, como, mostra ao leitor que após rechaços científicos, até mesmo certo ostracismo da psicanálise, como todas as novas áreas das neurociências e os novos estudos vieram a comprovar em laboratório e com estudos empíricos que Freud estava correto, seja na sua ideia de restos diurnos e relação do sonho com o subconsciente e mesmo sua tripartição da mente em id, ego e supergo que foram comprovadas em laboratório por experimentos clínicos de estudos no cérebro, neurônios e sinapses. Em sínstese o reforço e constatação da importância dos sonhos para a aprendizagem humana;

8 - Vale destacar ainda que o livro percorre os diferentes tempos, o presente tão rico em descobertas e novos estudos, como o passado inserido no contexto histórico, mas não deixa ao final de olhar para o tempo tão relacionado aos sonhos, o futuro. A parte final do livro tem essa pegada oracular, e assim como os sonhos menos predizer, trazem tendências dos futuros possíveis, Ribeiro olha para algumas potencialidades e também desafios que nos chegam. Tudo isso permeado por um imenso respeito às diferentes culturas ancestrais e com uma piscadela bastante longa para a metafísica, diga-se;

9 - E não falamos ainda do rico arcabouço cultural que o autor traz para a obra. São centenas de ricas referências da relação da cultura com o sonhos, da literatura às artes plásticas, os sonhos como motriz da cultura e vice-versa, já que trata-se de uma relação de dupla influência. Nesse sentido, podemos dizer que Ribeiro compartilha com seu leitor um vasto repertório de textos e filosofias. Aliás, são tantas as citações que chegamos a esperar em algum momento por alguma lembrança ao filme "A origem". E olha que seria interessante, especialmente quando aborda os sonhos lúcidos ou mesmo o risco de mercantilização do sonhar. Mas enfim, o que não falta é repertório cultural associado ao vasto repertório científico no livro;

10 - Enfim, O oráculo da noite é um vasto documento sobre a natureza e a importância do sono e dos sonhos para a cultura e evolução humana. De maneira sóbria, fluente e elucidativa, Sidarta Ribeiro a partir dos novos estudos relacionados ao cérebro e ao que ocorre dentro dele, mapeiam essa coisa fantástica que acontece quando dormimos. Em sua jornada, traz teorias quase abandonadas, mas ressignificadas com os novis estudos em laboratório, o embate de diferentes perspectivas e teorias sobre o sonho e mais do que isso, demonstra que tão fantástico como os sonhos é a nossa capacidade de criar ciência. Uma obra de referência, sem dúvida alguma.

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