O Blog Listas Literárias O Filósofo, a Enfermeira e o Trapaceiro, de Max Velati publicado pela editora Contexto; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
2 - O romance é narrado por César, aristocrata rural que nos trás a partir de suas memórias, não apenas suas experiências pessoais - do céu ao inferno e vice-versa -, mas também que se concentra especialmente no encontro dele com Isoba (filósofo) e Agnes (enfermeira) quando estas três figuras distintas se envolvem em uma investigação perigosa, marcada pelo mistério, crimes, uma leve pegada steampunk, e todos os demais elementos característicos do século XIX num Brasil de oligarcas, escravidão, e lutas pelo poder;
3 - E aqui é interessante observar o cuidado com que o autor procura conferir ao seu narrador a voz oitocentista. É um narrador que constantemente chama pelo narratário, evocando a seu modo a característica machadiana do caro leitor (Machado preferia cara leitora), marcado também por certo humor, tendo ainda uma pegada também no gótico, de modo que a narração procura se aproximar o máximo possível do contexto histórico que quer nos trazer;
4 - O ponto central do romance, claro, é o seu encontro com Isoba, escravo e intelectual, um senhor do conhecimento, e Agnes, enfermeira, na verdade uma médica marcada pelos traumas que a vida lhe proporcionou. Tal encontro ocorre justamente num momento da vida de César em que este já abdicou da vida, da própria existência, amuado em seu papel de crápula e cretino, o vigarista que na juventude fez de tudo e um pouco na Europa, até ter de voltar fugido para o Brasil;
5 - Nesse sentido, pode-se dizer que é uma narrativa memorialística, mas também de redenção e, a seu modo, marcada pelo belo. Sim, pois se embora aparentemente temos personagens anti-heroicos, vidas degredadas, imperfeitas, é justamente a redenção de seus vícios e invirtudes que surgirá como mensagem moralizante ao cabo dos acontecimentos. Os protagonistas vencerão o desprezo pela vida - e tirando Agnes - percorrerão as trilhas do virtuosismo, encontrando em suas jornadas o sentido o qual aparentemente não encontravam. Há nisso, também um pouco de fábula;
6 - Aliás, a religiosidade, as nuances góticas e o contato com o steampunk que coloca um pedacinho do pé da narrativa no fantástico amplia não apenas o imaginário do contexto histórico em que se passa, mas a própria natureza um tanto fabular da trama, a despeito dos seus toques realistas, ou ao menos, na estética aproximada às narrativas oitocentistas. Isso tudo faz da obra um conjunto interessante;
7 - Além disso, vale destacar novamente a questão dos personagens. São protagonistas distintos, peculiares, capazes de constituírem-se identidades próprias. César é convincente em suas virtudes e seus defeitos, um típico trapaceiro, não tão típico na redenção, e também um oligarca rebelde para com a sua estrutura familiar, janota esbanjador, digno de um jovem oitocentista; Assim como Isoba é um personagem fascinante, ainda que suas escolhas por vezes possa mascarar a gravidade da época para com seu povo; Agnes, por sua vez, não menos relevante, demonstração típica do quão hostil era para com as mulheres - o que não mudo muito. Dos três é quem tem a vida mais desgraçada;
8 - Há ainda de se destacar o elemento aventura. É uma narrativa para quem gosta de aventura. A memória do narrador nos carrega por uma série delas, e em diferentes locações, incluindo masmorras europeias. O ritmo de aventura é constante, pois são elas que César recorda predominantemente, sobressaindo-se inclusive por sobre os mergulhos psicológicos do narrador. A parte final, especialmente, centrada na investigação do trio - e envolvendo duas ordens secretas - faz do livro uma espécie de western longe do western. Bem interessante;
9 - Por outro lado, talvez quiséssemos ver alguns ganchos não-resolvidos melhor articulados no enredo. Falo especialmente da relação do narrador com Gurney. Por tratar-se de um romance, onde as coisas são mais explicadas que a vida, o leitor acaba presumindo que a promessa feita na Europa poderia - ou deveria ter alguma sequência ou consequência no Brasil;
10 - Enfim, O Filósofo, a Enfermeira e o Trapaceiro, ainda que com bastante liberdade poética, é também um romance histórico crível. Uma narrativa cheia de ritmo e ação que, no mínimo, nos prende pela ação e aventura que impregna suas páginas, além, é claro, dos personagens que nos convencem plenamente.