10 Considerações sobre O último cidadão do mato, de Harding Peixe

O Blog Listas Literárias leu O último cidadão do mato, de Harding Peixe publicado pela editora pedregulho; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira [Concorra a 01 exemplar do livro]:


1 - Interessante e com alguns elementos marcados pela dissolução do tempo, de modo que as cronologias são encobertas por uma espécie de névoa, as atenções da obra estarão sempre para o debate ambiental e a tensão entre o progressivismo urbano e a destruição das florestas e terras longínquas, já não mais livres das ambições, da iniciativa privada e do governo, que na perspectiva da narrativa, são, na verdade, a mesma coisa;

2 - É uma narrativa amazônica, diga-se de antemão. E isso ressalta a importância de sua narrativa, especialmente porque aborda justamente questões que estão em combustão no país. O romance começa nos apresentando dos trabalhadores das multinacionais de Manaus, figuras inconscientes e praticantes de um hedonismo radical mergulhado na artificialidade, especialmente Jimmy Togu. A vida dos dois amigos começa a se separar quando Rodrigo Lomé aceita ir trabalhar em um rincão amazônico, próximo a Eioca, comunidade que os leitores são apresentados em paralelo ao dois, e, comunidade de Cica Pipa e Surubin;

3 - Como se espera de uma boa narrativa, perceberemos no avançar dela a habilidade de Harding Peixe tecer pontos e entrecruzar seus personagens numa espécie de micro-saga amazônica, cuja cortina descerra a violência e a invasão da floresta pelo conluio entre Estado e iniciativa privada que avançam mata adentro criando limitações e impondo a força do poder sobre seus personagens;

4 - É curioso pensar na narrativa enquanto micro-saga, pois é de fato o que nos parece. Tem a proposta de uma saga, especialmente se olharmos para a tríade Togu, Lomé e Cica Pipa, mas micro pelo ritmo vertiginoso e acelerado dos acontecimentos. Esse ritmo, aliás, é o que torna enevoada a cronologia dos acontecimentos, o que poderia soar com algum defeito na narrativa. Por exemplo, Lomé expert em informática indo para a floresta lidar com máquinas de física quântica. Em princípio poderia se pensar que enquanto saga, a jornada dele e do amigo estivesse numa passado mais atrás, ou então, o momento do desfecho do romance num futuro um tanto mais adiante que o nosso presente. Mas a incerteza e indeterminação parece-nos proposital, um jogo estabelecido pelo autor e que instiga o leitor levando-o ao estranhamento positivo na literatura;

5 - Outro aspecto fundamental é observar na obra as características de sátira. O deboche, por vezes mais, por vezes menos implícito, está presente ao longo de todo o livro. Uma provocação constante rindo com certa melancolia e sarcasmo desse mundo urbano e corporativo, dos condicionamentos do sistema capitalista, do distanciamento que tudo isto causa da vida enquanto experiência transcendental e intimamente ligada com a natureza;


6 - Nessas névoas que encobrem suas matas e seus rios, talvez a noção do quanto se não mais há o profundo, ainda que ele, o profundo, dê cobertura aos desmandos do poder. Ao mesmo tempo que a floresta, terra sem lei, partilhada por Estado e iniciativa provada, está distante da maquinaria e da tecnologia, lá está essa maquinaria minerando e desmatando toda a Amazônia. Atravessando o marasmo e a bubuia do bom viver, para com a ambição e as balas impor um novo ritmo de vida. Assim, o profundo, perdeu a profundidade no que lhe era mais positivo, a simplicidade do viver, a distância dos homens e do governo. O profundo é agora invadido, rasgado, corrompido, como veremos o caso de Surubin;

7 - É nesse sentido que, claro, temos uma obra fortemente ambientalista. Uma obra que chama atenção para tudo aquilo que cada dia mais nos deparamos na televisão. A destruição da floresta. Não apenas a destruição de um ecossistema, mas também das vidas e almas que nela habitam. Deste modo se tem algum lamento, tem também um bocado de luta tramada ao texto da narrativa;

8 - Aliás, fica claro ao leitor que Peixe é conhecedor dos que lutam e propõe uma visão diferente de progresso e filosofia de vida. Quem sabe uma epistemologia do sul. No decorrer da micro-saga de Lomé e Togu os dois encontrarão pessoas comprometidas com esse olhar alternativo, sustentável. Nisso algum sopro de esperança em meio a um cenário alarmante. E se restasse qualquer dúvida de que lado está a narrativa, a menção a Chico Mendes deixa claro a que veio o romance;

9 - Por tudo isto, além do caráter envolvente da narrativa, a obra é uma leitura necessária e importante. São muitos os seus elementos de qualidade, e se algo pode incomodar ao leitor, talvez, mas esse é um talvez bastante subjetivo, é seu ritmo que embora seja a proposta, em alguns momentos acelera demasiadamente. Entretanto, parece-nos tranquilo que em muitos momentos Harding Peixe deseja justamente jogar com seus leitores;

10 - Enfim, Ó último cidadão do mato é uma ótima leitura nacional. Para além de sua proposta politizada e engajada, há em sua estética questões que provocam até mesmo as estruturas de autoria e tempo, como se uma fuga de qualquer classificação de gênero. Assim, é narrativa bastante autoral, provocativa e sarcástica que valeu a pena conhecer.

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