10 Considerações sobre Crises da Democracia, de Adam Przeworski ou sobre vamos a algum lugar?

O Blog Listas Literárias leu Crises da Democracia, de Adam Przeworski publicado pela editora Zahar; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Crises da Democracia parte de um temor presente e muito forte sobre a possibilidade ou a capacidade de as democracias ao redor do globo resistirem aos ataques e às aparentes crises que enfrenta hoje em dia. Para tanto, o autor dedica-se a uma abordagem em três tempos particionando seu debate em passado, presente e futuro;

2 - Mas antes de iniciarmos nossas reflexões acerca das abordagens e das propostas e teses presentes na publicação, é preciso dizer que com certa honestidade o autor repete-se na informação das muitas vezes impossibilidade de analistas compreenderem ou perceberem as trilhas por quais o mundo parece iniciar caminhadas. O autor com certa insistência reforça o quão muitos acontecimentos do agora o pegaram de surpresa, o que se por um lado é justo e honesto para com o leitor, por outro, pode transparecer certa fragilidade em suas argumentações;

3 - Mas tal postura parte de uma filosofia do autor quanto aos riscos das certezas. Ele fugirá das tentativas de qualquer afirmação peremptória. Faz sentido especialmente por aparentemente estarmos no olho de um furacão que nos enche de temores. Deste modo, o que Przeworski faz é tentar não sucumbir à pressa ou a algum pânico, buscando certo equilíbrio em suas observações e sempre refutando afirmações definitivas;

4 - Por isso a abordagem em três tempos, especialmente procurando no passado casos que possam auxiliar na compreensão deste presente convulsionado. Para tanto, ele recorre a quatro casos de estudo, sendo dois levados à rupturas democráticas (Chile e Alemanha/Weimar) e duas crises que o sistema democrático encontrou nas instituições e de formas diferentes saídas para a crise sem a ruptura da democracia (França/Estados Unidos);

5 - Se na primeira parte temos uma abordagem que pretende preparar a base de sua argumentação a partir dos casos citados, a segunda parte se dedica ao nosso presente a partir do questionamento o que está acontecendo? É quando ele tenta analisar o avanço populista no mundo, a ascensão da extrema-direita, componentes como imigração e preconceitos presentes nestas novas marchas que parecem levar o mundo a destinos autoritários. Interessante em sua abordagem trazer o declínio dos sindicatos e as lacunas abertas, além da observação que "à medida que os partidos democráticos vão se aburguesando, os partidos de direita se proletarizam", movimento interessante se pensarmos as mais recentes movimentações de ganhos e perdas na base do poder brasileiro, uma espécie de anarco-capitalismo-fascista de Jair Bolsonaro;

6 - Mas diga-se que no livro o Brasil não é lembrado. Tanto que será a ruptura chilena a ser avaliada pelo autor. Aliás, aqui temos talvez um problema, já que Przeworski ao analisar a questão chilena, pelo menos no livro, não leva em consideração o contexto da América Latina e a cascata de ditaduras que precederam a do Chile, o que penso, deveria estar nos elementos de análise, pois que há todo um conjunto de tiranias se espalhando pela América do Sul e que talvez tenham tido seus efeitos no que vem a ocorrer também no Chile;

7 - Em sua terceira parte, embora aponte ao futuro, o livro ainda se dedica fortemente à conjuntura e especialmente à compreensão do conceito de democracia do autor, fortemente calcada em seus atributos mais básicos, o da existência de eleições competitivas, e direitos de expressão e associação assegurados, de modo que é a partir desta concepção mais simples, quem sabe universal de democracia que o autor vai estabelecer possíveis riscos e crises. O que não deixa de ser problemático, pois que haverá muitas discussões e proposições que colocam a democracia para além disso;

8 - Em parte porque parece-me justamente suas concepções de democracia reunirem fragilidades como quando diz que "o milagre da democracia é as forças políticas em disputa aceitarem os resultados da votação. Pessoas que têm armas obedecem às que não têm", visão carregada de incongruências e fragilidades e cuja discussão é mais complexa que isso pois demandaria trazer para a baila, por exemplo, as revoluções. Digo isso porque esse olhar mais restritivo, mesmo redutor da democracia parece-me enfraquecer um pouco a abordagem;

9 - Por fim, vale ressaltar então que em grande parte o livro é um partilhar de experiências, uma observação dos elementos e fatores que pressionam as democracias, entretanto, até o final,  o autor reforça "arriscar previsões políticas é ainda pior [que as econômicas]. A incerteza é inerente, sejam quais forem as circunstâncias, e aumenta exponencialmente quando há grandes questões em jogo e os conflitos são acirrados" o que torna mais difícil prever para onde levarão as insatisfações, estas também marcadas pela dificuldade de convivência entre capitalismo e democracia, outra tese do autor de modo que o autor ao fim se coloque "comedidamente pessimista com relação ao futuro. Não acredito que a sobrevivência da democracia esteja em jogo na maioria dos países, mas não vejo nada que possa acabar com o nosso descontentamento atual".

10 - Enfim, Crises da democracia é um pouco desse reflexo presente em que temos dificuldade de olhar para o outro lado das alternativas. Como demonstra o pessimismo comedido do autor, há-se uma grande dificuldade de apontar caminhos, de modo que ao cabo, o máximo que tiramos da leitura do livro é a certeza da necessidade do conceito "acidente de avião" para  tentar compreender tais riscos. Como sabido, um acidente de avião não possui especificamente uma causa única, ainda que ao fim da investigação se determine certa centralidade. Para que um avião caía será sempre necessário uma cadeia de eventos contínuos até a falha fatal. Até a queda. Os exemplos de Przeworski mostram um pouco disso. Weimar, por exemplo, é um caso que ilustra essa ideia de "acidente de avião". Uma cadeia de eventos acontecidos ou não acontecidos que levam à sua queda e ascensão do nazismo. Quedas de democracias me parecem partilhar elementos com um acidente de avião. E aí reside o grande problema, quando no ar, dificilmente se detectam os sinais. Como num acidente de avião, a queda das democracias geralmente são descobertas, compreendidas e analisadas após as tragédias. Nisso talvez uma das virtudes do livro, ele tenta mostrar alguns sinais que podem colapsar os motores desta gigantesca aeronave que é a democracia.


  

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