O Blog Listas Literárias leu A Desconhecida, de Mary Kubica, publicado pela editora Planeta; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 – A Desconhecida é destes thrillers contemporâneos em que a trama por trás dos possíveis crimes é o verdadeiro foco e cujo pano de fundo traz uma tenebrosa realidade de um mundo hostil e perverso para com as mulheres, dando vida a diferentes tipos de monstros numa narrativa que busca dissimular o enredo por meio de suas vozes bastante subjetivas;
2 – Falando nesta nova geração de thrillers, a obra traz características de outras publicações que recentemente passaram a dominar o mercado editorial com obras que ainda que tenham elementos da narrativa policial, todavia carregam modificações como se tivéssemos um novo gênero. É que nestas obras a história do crime não é o ponto central da narrativa, não temos aqui a busca pela elucidação e punição, mas sim uma narrativa que nasce a partir de um crime (ou vários) para desvelar situações sociais, que no caso do romance de Kubica, mais uma vez apontam para a hostilidade do mundo para com as mulheres, especialmente no caso de meninas órfãs;
3 - O romance é narrado pelas três vozes protagonistas, Heidi, uma mulher dedicada às causas sociais, mas que ao avançar da narrativa vai afundando-se cada vez mais nos próprios traumas, Chris, seu esposo, um homem de negócios um tanto frio, mas que tenta equilibrar o livro com certa lucidez, contudo distante dos fatos por viver viajando e a desconhecida garota Willow, cuja voz logo o leitor perceberá estar narrando num tempo diferente dos demais para que ao final os segredos que carrega montem um todo que nos deixa com um final digno da vida real e distante dos romances que em geral procuram solucionar todas as investigações ou trazer felicidade aos seus protagonistas. Aqui, porém, a explicação chega ao leitor num final em que os habitantes da ficção vivenciam a amargura e os dissabores de uma vida um tanto selvagem e sem finais felizes;
4 - A vida destes três personagens une-se quando Heidi observando a desconhecida e misteriosa garota com sua criança de colo pelas ruas de Chicago, decide um dia levá-la para casa, a partir disso soltando "monstros" e traumas de seu passado que aos poucos também vão engolindo-na numa névoa de loucura;
5 - Além disso, obviamente, a ação incluindo um total desconhecida na vida da pequena família de pai, mãe e filha, acaba tornando mais nítido os laços fragilizados, as incompreensões, os silêncios, entre outras coisas possíveis num grupo que até então não era capaz de reconhecer seus próprios desgastes, mas que com a intrusão de um novo elemento acaba jogando tudo num grande caldeirão de confusão e drama;
6 - Sem falar, claro de que há ainda todo os mistério envolvendo Willow, uma personagem soturna que vai sendo revelada gradualmente por sua narrativa em primeira pessoa, selecionando recortes que vão dando ao leitor pouco a pouco certa noção do que ocorreu a ela, bem como trazendo a questão policial para narrativa, de modo que fosse como se ela estivesse descobrindo um presente puxando o lençol pouco a pouco;
7 - Essas questões, por sinal, tornam a narrativa um tanto lenta em sua primeira metade, mas que a partir que as cartas vão sendo postas na mesa, o ritmo passa a fluir com agilidade, e ainda que tenhamos uma jornada previsível na questão de compreensão dos fatos, ao final o livro vai fechando-se em soluções apropriadas ao que desejava narrar;
8 - Todavia, é mais um romance embebido em crimes do que uma narrativa policial pois ao fim a obra narra distintas visões de três personagens interligados, mas que nos conduzem por diferentes caminhos, sendo as vozes femininas mais violentadas visto que uma precisa escamotear toda sua trágica história enquanto outra ao abrir-se completamente revela a insanidade que vai saltando parcialmente, até que esta voz seja totalmente tomada pela loucura;
9 - E tudo isso desvela ao leitor , ainda, um pano de fundo que tem sido cada vez mais presente nos thrillers: a violência contra as mulheres, independente da idade que tenham. Neste romance mais uma vez somo defrontados com casos de pedofilia e violência sexual de modo a nunca nos deixar esquecer dos monstros que andam por aí, normalmente com sorrisos abertos e sob fachadas de perfeição;
10 - Enfim, A Desconhecida é uma narrativa bastante psicológica que levará o leitor a observar para além das palavras, e mesmo sendo bastante visíveis os seus não-ditos, é de todo modo uma escrita fosca que nos leva para além da superfície. É um bom romance, capaz de entreter com alguma reflexão.