10 Considerações sobre A Reportagem, de Bettina Muradás ou porque investigar até o fim

O Blog Listas Literárias leu A Reportagem, de Bettina Muradás publicado pela Chiado Editora; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 – A Reportagem é um romance de boa escrita influenciado pelas notícias dos últimos anos no país tendo com pano de fundo a corrupção e a política numa trama policialesca conduzida num ritmo alternante que ao fim coloca-se numa zona intermediária entre o romance policial e das histórias de amor;

2 – Todavia, a despeito da roupagem de venda da trama, a sensualidade presente é muito sútil, senão praticamente inexistente, o que não seria problema não fosse o risco de se quebrar o contrato de leitura com os respectivos leitores interessados, visto que tanto capa quanto textos preparatórios apontam para uma mescla entre narrativa policial e erotismo o que não se confirma no interior de suas páginas;

3 – No livro temos então uma repórter da área da cultura, uma jovem rica que trabalha por esporte que sentindo o faro de uma notícia viaja às suas expensas à Nova Iorque para investigar um possível e gigantesco caso de corrupção no Brasil e lá terceirizando a investigação a um executivo que assume o controle da ação e também o coração de Gisele fechando o mote de ação do enredo;

4 – E aí talvez começa alguns problemas da narrativa e da própria protagonista que a despeito de sua ação inicial logo torna-se passageira dos acontecimentos ficando a mercê de uma série de elementos, mas acima de tudo constituindo-se como uma investigadora reticente e um tanto distante doutras jornalistas da arte, seja nos livros, seja nos filmes;

5 – Aliás, talvez estes problemas em grande parte nasçam através de preconceitos velados que a um leitor mais atento não escapam, entre eles a sutil presença do machismo presente numa protagonista ainda impregnada pela composição patriarcal de sociedade e que na narração em terceira pessoa se mostra, por exemplo, ao comparar a repórter a Clark Kent quando por que não compará-la então com Louis Lane, bem mais ativa no campo da reportagem que o alter ego do homem de aço. Todavia vale dizer que ao fim, a solução final pormenoriza isto ao trazer uma escolha que inverte, pelo menos em parte, as posições esperadas dentro de um contexto patriarcal;

6 – Ainda no campo dos pequenos preconceitos velados – ou nem tanto – que presenciamos na narrativa estão certas escolhas lexicais que podem chamar a atenção para uma posição da narração, que aliás, demonstrar certa fixação por “dentes branquíssimos” imputando-lhes características de formação de caráter de suas personagens;

7 – Além disso, vale dizer ainda que nos fica a sensação de que a narrativa exagera nas descrições e alonga determinadas situações que em boa parte soam desnecessárias e acabam prejudicando de certa forma o ritmo da obra porque se torna exaustiva a repetição da cardápios descritos pormenorizados, movimentos que não levam a lugar algum, e ainda, a ostentação da narração ao exagerar em sua proximidade com as marcas de luxo e os locais habitados por milionários do mundo; e quanto a isso, antes que me questionem, não, não seria um problema se não fosse o exagero que de um modo retira a naturalidade da narrativa;

8 – Contudo, mesmo com tais críticas, o romance na média é agradável de se ler pois a autora tem o domínio das palavras e nos coloca diante de uma obra com certa ação e movimento que pode agradar determinados leitores, especialmente a quem procura por leveza;

9 – Do mesmo modo, não deixa o romance de ser um retrato da política nacional e ainda que mostrado de uma forma distanciada, consegue demonstrar bem o papel da corrupção na nossa sociedade trazendo escândalos que não distanciam muito nossa realidade da ficção apresentada;

10 – Enfim, talvez se não tivéssemos aqui uma repórter incapaz de nos convencer em sua profissão é provável que se ampliasse nossa adesão à trama. Entretanto, Gisele não é somente reticente, mas às vezes também não nos convence como repórter especialmente pelo fato de ela não controlar em grande parte suas próprias ações. Fosse isso um pouco diferente, é possível que estivéssemos mais próximos de uma trama policial, contudo ao fim a narrativa de crime não passa de um elemento a explicar a história de amor presente, e esta que se prepondera é um tanto insossa e sem calor.



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