10 Considerações sobre O Médico da Humanidade e A Cura da Corrupção, de Augusto Cury

O Blog Listas Literárias leu O Médico da Humanidade e A Cura da Corrupção, de Augusto Cury publicado pela editora Arqueiro; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - O Médico da Humanidade e a Cura da Corrupção é um livro da oportunidade pois Augusto Cury aproveita o momento instável da situação política no Brasil e no mundo para tecer reflexões e tentar prescrever uma receita para a solução do caos, que no fundo é complexo e profundo. Será particularmente sobre tais reflexões que tecerão os itens deste post, o qual se podemos deixar um elogia á obra é de que ela nos leva até seu final com bastante rapidez;

2 - E começo a discorrer sobre o livro sobre a escolha da forma de contar a trama e expor suas concepções, que aqui esta altamente embebida em Um Conto de Natal visto que o "misterioso" personagem H. não deixa de ser uma espécie de Espírito dos Natais Passados levando o protagonista Napoleão Alcântara a uma verdadeira viagem no tempo para que o mesmo realizasse uma avaliação de seus atos e buscasse a encontrar a si mesmo enquanto participa da intensa campanha política disputando o cargo de presidente do Brasil. Tais "viagens" percorrerão a história como forma de lições a serem retiradas pelo político;

3 - Contudo a despeito das boas intenções da obra, é impossível não perceber o quão falha ela se torna diante da simplicidade com que trata questões elementais, profundas, complexas e históricas da humanidade, como se fosse de alguma forma "um guia de reflexão para não letrados", pois aos leitores exigentes e críticos os vícios e defeitos da construção narrativa saltarão aos olhos, e se dividirá entre as pretensões ingênuas da publicação, ou simplesmente pela proposta de refletir apenas pela superfície;

4 - Vejamos que quando falo de superficialidade, a própria estrutura e narrativa da obra corroboram para isso. Seus personagens literariamente são rasos, sem qualquer profundidade. O próprio protagonista é incapaz de perceber que "suas jornadas fantásticas" depois de várias acontecidas não lhe trarão danos físicos, mas ainda assim ele teme "perder a cabeça", literalmente. A ambientação é mais um testemunho da superficialidade da obra pois em nenhum momento ela estabelece um lugar, um ambiente; quando se desloca "em cenário" é como se todo universo da obra não existisse, e é retratado sem qualquer identidade pelo genérico "chegou numa grande capital do país". Isso tudo ataca a um elemento muito caro a este leitor, a verossimilhança, além é claro, de soar extremamente pobre;

5 - Aliás, creio que aí esteja uma dos principais problemas da obra: ela não consegue ir além do senso comum. As reflexões políticas presentes nos diálogos e na própria condução do narrador soam como debates construídos a partir de quem informa-se apenas pelo Jornal Nacional ou outro televisivos, pois suas conceituações ainda que embebidas de frases elaboradas e citando grandes personalidades históricas ficam naquilo que é consenso, naquilo que é comum, sem refletir seriamente sobre os exemplos, ou sequer mergulhar nas contradições da própria trama, quanto daquilo que H. faz Napoleão observar;

6 - Acredito que tais escolhas nasçam justamente da ingenuidade de leitura de tais processos complexos. O enredo por qual perpassam Napoleão e H. é carregado de sutilezas e contradições históricas de grande complexidade, questões que vêm sendo abordada por grandes pensadores há muito tempo, e discussões estas que não conseguem chegar perto das "receitas simplistas" que vemos nas vozes do livro, incapazes de perceber a complexidade daquilo que trata. Portanto, não consigo crer em discussão sobre o poder e sua relação com a humanidade sem que se vá às camadas mais profundas da questão, sem que se perceba o contraditório, ou que se imagine uma solução fácil para o problema;

7 - Todavia, há méritos nas intenções da obra. Essa simplicidade pode atingir uma "massa" leitora e assim convidar-lhes a pensar no assunto, e caso haja disposição, muitos poderão sentir a necessidade a partir desta leitura em procurar por mais, por atingir aquelas camadas que aqui não foram atingidas. Se for como porta de entrada, o livro pode ser um caminho, entretanto é preciso dizer que mesmo estando aqui situações como as pequenas corrupções do dia a dia, se tomarmos a obra como referência para discussões e debates ensejaremos em seu próprio vício que é não abandonar o senso comum;

8 - Retomando a presença da ingenuidade, ainda creio importante falar, que essa visão fica ainda mais aparente ao passo que não considera o ser humano algo complexo e dotado de inúmeros defeitos. A jornada pela qual H. leva Napoleão é o exemplo disso, pois subtendido em sua realização está a tentativa de transformar o político Napoleão num novo sujeito, um exemplar muito próximo da perfeição. Contudo, isso é no mínimo contraditório, pois observemos que o personagem já está presente na obra como diferenciado, incorruptível, ainda que possamos discutir isso, seria Napoleão um exemplar da decência e da ética, a quem o "mestre" H. irá expor aos seus defeitos "menores" mas essenciais a um postulante do cargo de presidente. H. o mostrará como um homem mal, ainda que ele pudesse escolher muitos outros personagens em pior situação que Napoleão, que no fundo possuiu as contradições simples da vida humana, estando dentro de uma curva regular. Entretanto H. quer "melhorá-lo", torná-lo "perfeito". E aí surge, talvez, a maior das contradições do romance;

9 - A obra passa grande parte da narrativa criticando e refletindo ao longo da história a presença de "salvadores da pátria" que em em muitos tornaram-se justamente o contrário. Entretanto, a jornada "fantástica" do candidato a presidente não deixa de exercer as mesmas intenções daqueles que são criticados na obra. Mesmo que H. o esteja apontando caminhos para aprender e "tentar" ser e fazer diferente, aí está o conceito de "o escolhido". O próprio "mestre" e crítico ratifica este papel a Napoleão, que notemos, não pede a intervenção de H. É o professor que o escolhe, que o doutrina. Com isso, o médico da humanidade nada faz de diferente daqueles que se embebedaram no poder. Eles seleciona escolhidos, e aqui a noção de "herói" então se faz presente e tudo anula-se ao vermos que no fundo a jornada de Napoleão é a pretense jornada de um "salvador da pátria". Tal contradição acontece justamente pela abordagem superficial e ingênua de uma tema amargo;

10 - Enfim, como disse, O Médico da Humanidade e a Cura da Corrupção até pode ser considerado como porta de entrada para futuras discussões, entretanto a palavra "cura" presente no título é carregada de um peso muito grande e que na obra não se sustenta, primeiro porque é observada com certa distância, e segundo, porque tende a cair em muitos clichês de senso comum que pouco se distancia dos comentários em redes sociais, desconsiderando a grande complexidade do tema e a necessidade de uma abordagem mais profunda da que consegue realizar. Todavia,  a despeito de seus vícios e incongruências é uma obra de leitura ágil, com ritmo intenso e cenas que podem abrir as portas, contudo deverá saber o leitor que para refletir com mais propriedades será preciso caminhar por longos corredores.



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