O Blog Listas Literárias leu O Guia Definitivo do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams publicado pela editora Arqueiro num volume único os cinco livros que compõe a série (ou melhor, a trilogia de cinco), volume este que ficou bem bacana com capa dura e muito bonita. Portanto, neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o conjunto da obra, confira:
1 - Leitura consolidada entre os leitores nerds o Guia do Mochileiro das Galáxias, mais do que olhar para o futuro ou para o espaço trata-se de um olhar sobre nós mesmos (ou, melhor, à sociedade londrina) de uma forma crítica e ácida propicia às reflexões e que mesmo após anos de sua primeira publicação, continua um bocado atual, talvez aí, na permanência das contradições daquilo que crítica, o sucesso e interesse pelo livro permaneçam, além é claro, do prazer que a aventura proporciona;
2 - É que uma das qualidades desta obra está justamente no fato que tanto pode ser lida de uma forma descompromissada, pelo simples fato da busca de uma aventura, ou, então, com um olhar mais acurado naquilo que às vezes parece tão explícito, naquilo que nem sempre está visível, e também nas incongruências e na desorganização estrutural-temporal, e mesmo em coisas que talvez sequer o próprio Douglas Adams pensasse estar abordando;
3 - E olhar com mais profundidade a obra de Adams é um convite implícito neste volume único publicado pela Arqueiro, reunindo as cinco obras da série, O Guia do Mochileiro das Galáxias, O Restaurante no Fim do Universo, A Vida, O Universo e Tudo Mais, Até Mais e Obrigado Pelos Peixes e Praticamente Inofensiva. Com as cinco publicações reunidas num único volume colabora para observarmos suas discrepâncias entre uma e outra, suas semelhanças, e acima de tudo, como as histórias se interligam, ainda que num e outro determinado momento sua linguagem mude de tom;
4 - Por exemplo, podemos perceber o contraste do humor sarcástico e intenso de O Guia do Mochileiro das Galáxias com a tensão sombria de O Restaurante no Fim do Universo, que de alguma forma penetra naquilo que a humanidade mais teme: a morte. Nisso, a qualidade de Adams, pois se no primeiro livro a ação corre solta e carregada de piadas e ironias, ainda que tudo isso permaneça no segundo volume, não podemos deixar de perceber que a narrativa passa a truncar, a provocar, e o humor é menos engraçado, mais ferino, quiçá. Depois em A Vida, O Universo e Tudo Mais retomamos o humor um tanto mais leve, contudo impregnado boas doses de filosofias impregnadas por mais uma questão humana, o de onde viemos, momento que o próprio ateísmo de Adams se contradiz na busca de Ford e Arthur. Por fim, os dois últimos volumes nos parece um tanto mais distante das demais, carregados de incongruências e retornos inverossímeis que traçam uma necessidade de olhar profundamente sobre seus porquês, como o próprio fato de a terra voltar a ser o centro da questão, além de nestas duas últimas obras constituir o tempo, e não o espaço sideral, o local das aventuras Ford e Arthur;
5 - Portanto, é um conjunto significativo de elementos que tornam esta obra tão interessante e que nos complica, visto que falar algo novo sobre o livro não é fácil, afinal, como fugir de elogiar a ironia constante na obra, a originalidade com que Adams constrói sua crítica social, até mesmo a abordagem do seu lado profético, afinal, o conjunto da obra, mas especialmente até as três primeiras publicações, poderemos encontrar uma série de elementos e conceitos que em nosso presente se tornaram coisas comuns em nosso cotidiano;
6 - Entretanto, ainda que não possamos ignorar todo esse olhar para o futuro presente nos livros, a obra nitidamente volta-se ao seu próprio presente (ou no caso, para nós já no passado) através da construção de uma grande metáfora espacial que na verdade, a princípio, é uma forte crítica à sociedade londrina especificamente, a sua gente, sua pessoa, sua cultura, à sociedade inglesa, e uma pitada de crítica à própria humanidade. O foco sobre Londres é explícito e não nos deixa espaço para fugas ao passo que mesmo o narrador, ainda que perambule pelo universo que ele mesmo cria, terá sempre Londres como referência, especialmente nos momentos de crítica, de tal forma que se ação aponta para além dos confins da galáxia, as palavras como se fosse uma das fantásticas naves de Ford Prefect e Arthur Dent, nos levam sempre para a capital da Inglaterra;
7 - Além disso, outro detalhe interessantíssimo na obra de Adams é observar que a despeito de seu ateísmo, ele mesmo não consegue fugir da conceituação de um deus, e que se por um lado encontraremos críticas à crença em deus ao longo da narrativa, por outro, teremos momentos emblemáticos como o encontro do grupo com O Homem Que Rege o Universo, encontro esse marcado pelas diferentes opiniões dos personagens a respeito do encontro e do próprio homem, estando aí, provavelmente uma das contradições interessantíssimas da obra e das próprias convicções do autor, que ainda crítico à crença em um deus, o recria de alguma forma em sua obra dando-lhe existência, ainda que se discuta sua função, o fato marcante é que O Homem Que Rege o Universo está lá, e é um questão para provocar longas reflexões e discussões sobre essa presença;
8 - Assim, entre a sátira escrachada e violenta e as questões de grande profundidade, Douglas Adams conseguiu criar uma obra única e singular que mesmo em suas contradições ou em seus momentos nem tão grandiosos consegue provocar seus leitores e isso sempre de uma forma variada, ora somos impactados pelas palavras rápidas como flechas e afiadas como navalhas ora pelo ambiente estranho, ou às vezes até mesmo a inação nos leva a pensar sobre tudo o que estamos lendo;
9 - Ainda, dentre todas as coisas interessantes a observarmos nesta obra singular, outro fator a ser observado com maior cuidado está justamente nas personagens tão peculiares e originais, cuja identidade e presença são marcantes, ainda que a priori não os consigamos vê-los como figuras complexas, e mesmo assim fogem de qualquer rasura de terreno porque nos mantemos focados neles, em suas ações, eu suas formas de agir diante dos seus mundos e desafios. É de fato muito curioso a composição das personalidades em O Guia, tão marcadas, tão distintas, mas ao mesmo tempo que nos parecem tão comuns e diferentes, e com isso os faz únicos;
10 - Enfim, NÃO ENTRE EM PÂNICO, a leitura deste livrão de quase setecentas páginas é uma experiência indispensável e que o leitor pode optar por diferentes formas de fazê-la, desde pela pura diversão com sua ação inverossímil e constante, das ironias, dos sarcasmos, dos ataques quase contra todo mundo, a opção pela experiência mais completa, buscando observar a riqueza de elementos persentes na narrativa e que não se esgotam facilmente, nem em milhares de teses, tampouco nesta forma um pouco estranha aqui do blog de publicar suas resenhas. O Guia Definitivo do Mochileiro das Galáxias é simplesmente indispensável para sua estante, uma obra completa de uma série de livros que além de marcar uma geração de leitores (e de ouvintes), ainda tem muito as nos revelar e nos mostrar.
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