O Blog Listas Literárias entrevistou o autor de A Era de Ouro do Pornô, Zeka Sixx num bate-papo sobre sexo, livros e literatura, confira:
1 - Cara, seu livro ao contrário do que pode sugerir a capa não é mais um destes livros dentro da "modinha erótica", é pornografia que poderá gerar muito debate e impactar leitores. Como surgiu a ideia do livro, e como tem sido a reação à obra por parte de leitores, e, claro, leitoras?
Z.S: Oi, Douglas! Primeiramente, obrigado pela oportunidade e pelo interesse no livro! Bom, passei a vida inteira escrevendo contos - trinta e dois deles estão no meu primeiro livro, "O Caminho dos Excessos" -, sem a confiança necessária para me aventurar na narrativa longa. Contudo, já há uns três ou quatro anos, eu tinha na cabeça um fiapo de história para um romance: escrever sobre um cara que sobrevivia de furar eventos "boca livre". Aos poucos, outras ideias foram surgindo, sendo agregadas e, por fim, acabaram se sobrepujando ao enredo original, ficando a questão do "cara-que-furava-eventos" em segundo plano no livro. Mas foi tudo acontecendo meio que por acaso: quando sentei para escrever, eu sequer sabia exatamente como queria terminar a história. Quanto à reação dos leitores, tendo em vista que o livro somente será lançado em 10 de junho, ainda não me foi possível saber exatamente. Mas as poucas pessoas de minha confiança que leram o livro antes de ele ser publicado adoraram: acharam leve e divertido, apesar da temática aparentemente pesada. Também tenho tido resenhas positivas de blogueiros com quem firmei parceria, o que me deixa muito confiante.
2 - Você diria que num universo tomado de leituras eróticas para mulheres, seu livro traz o contraponto e a visão do homem em relação ao sexo? Ou Max Califórnia está distante dos desejos sexuais masculinos?
Z.S: Minha ideia com o livro foi fazer algo que dificilmente se encontra na literatura atual: uma literatura "pornô". Desde a explosão da trilogia "Cinquenta Tons de Cinza", o mercado editorial foi invadido por livros de literatura erótica, quase sempre escritos por mulheres - e PARA mulheres. Então, acho que se pode dizer que, de certa maneira, meu romance é, em parte, um contraponto: uma literatura pornô, escrita por um homem. Mas minha intenção não foi escrever qualquer pornô vagabundo, e sim um pornô que tivesse uma verdadeira história, um verdadeiro significado, algo que prendesse a atenção do leitor e que transcendesse a mera pornografia gratuita. Da mesma forma, não tive a intenção de focar no público masculino. Acho que é um livro que pode agradar ambos os sexos: inclusive, a maior parte das pessoas que leram o livro até agora são mulheres! Quanto ao fato de o livro trazer a visão do homem em relação ao sexo, eu não chegaria a tanto; afinal, o personagem principal é claramente alguém viciado em sexo, cuja visão está, sem dúvida, distorcida pelos excessos que ele persegue diariamente.
3 - Aliás, entre as referências presentes na obra vemos Bukowski. Você pensou no livro como algo para jovens, velhos safados? Além disso, quais outras vozes julga permearem seu trabalho?
Z.S: Escrevi o livro pensando na geração jovem, na geração que viveu a noite dos anos dois mil e dos anos dois mil e dez, pessoas entre dezoito e trinta e cinco anos, principalmente. Bukowski é um dos meus autores favoritos, é claro, e acho que quem gosta dos livros e do estilo do velho safado também gostará de "A Era de Ouro do Pornô". Entretanto, ele não foi uma das minhas inspirações, tampouco influências para escrever o livro. Provavelmente Bukowski acharia o livro uma merda, inclusive, hahaha! Minha maior inspiração para escrever o livro foi Bret Easton Ellis, em especial dois livros seus: "Abaixo de Zero" - que é um retrato de uma "geração perdida" - e principalmente, "Psicopata Americano", por mais estranho que possa parecer. Identifico um comportamento de "serial killer" em determinadas atitudes do personagem central de "A Era de Ouro do Pornô", em especial na maneira repetitiva como ele passa de uma mulher a outra, bem como na indiferença geral quanto a tudo e todos, características que também eram intrínsecas ao personagem Patrick Bateman. Um "psicopata porto-alegrense", então? Talvez!
4 - Falando em safadeza, poderíamos dizer que seu romance é meio que "um guia para aventuras sexuais e noturnas em Porto Alegre" em que você apresenta um cenário com os melhores e piores "puteiros" da cidade. Conta aí, foi necessário muito "trabalho de campo" para a construção da obra?
Z.S: Se você é um homem jovem crescendo em Porto Alegre, há uma boa chance de, em um momento ou outro, a Avenida Farrapos cruzar o seu caminho. Assim, não foi necessária qualquer "pesquisa de campo", hahaha! Tão somente falei de lugares que integram o cotidiano da cidade - goste-se ou não.
5 - Aliás, seu protagonista revela uma mudança do comportamento sexual na cidade, especialmente revelando que a iniciativa agora está com as mulheres. Em que a visão ficcional de Max Califórnia e a do autor Zeka Sixx se aproximam e se distanciam?
Z.S: Por ocasião do meu primeiro livro, "O Caminho dos Excessos", fui bastante questionado - e até criticado - pelo fato de que muitos dos contos pareciam tratar de experiências reais, quase como se o livro fosse meu diário. E, de fato, muitas daquelas histórias eram fortemente baseadas em experiências pessoais, não posso negar: era sim uma obra "semibiográfica". Mas, em "A Era de Ouro do Pornô", decidi que queria deixar minhas experiências de lado, buscar algo realmente ficcional. Assim, eu diria que há muito pouco de Zeka Sixx em Max Califórnia. O que posso assegurar é que minhas histórias pessoais fariam as situações de "A Era de Ouro do Pornô" parecerem vindas de um livro infantil. Quanto à questão da mudança do comportamento sexual da cidade, com a iniciativa passando às mulheres, o que posso dizer é que vivo intensamente a noite de Porto Alegre já há quinze anos, o que me faz uma testemunha óbvia das diversas mudanças que ocorreram. Vale registrar que não é por acaso que o livro é passado em 2012. Um dos motivos é que 2012 talvez tenha sido o último suspiro antes da explosão do feminismo moderno, tão em voga hoje em dia. De certa forma, é como se o livro antecipasse a questão do empoderamento feminino: todas as mulheres que dormem com Max o fazem porque querem e porque assim previamente decidiram. Nenhuma delas foi "seduzida" por ele, até mesmo porque ele não é nenhum príncipe encantado. São mulheres que não têm vergonha de tomar a iniciativa, de explorar sexualmente os seus limites, tampouco receio de serem vistas como vagabundas por isso. Enfim, não diria que concordo 100% com a visão de Max Califórnia sobre a noite de Porto Alegre, mas afirmo sem medo algum que ela seria uma visão perfeitamente possível para um homem de vinte e nove anos vivendo na Porto Alegre de 2012.
6 - Contudo, como comentei na resenha, temos a sensação de que Max Califórnia desconta na impulsividade sexual um grande vazio e o peso de seus fracassos, o que em certa contradição o tornaria um romântico. Você concordaria com essa visão?
Z.S: Acredito que a impulsividade sexual sempre esteve presente na personalidade de Max. Entretanto, os eventos determinantes que ocorreram em sua vida, aliados ao cenário perfeito representado pela Porto Alegre dos anos dois mil e dez, foram o combustível para que essa impulsividade saísse fora dos trilhos. Fico feliz que compreendeste um dos pontos cruciais: o livro não segue aquele clichê "escritor-frustrado-alcóolatra-que-odeia-a-Humanidade". Max não carrega qualquer ódio, qualquer ressentimento, qualquer mágoa com o mundo. Ele está na rota da autodestruição, é evidente, mas simplesmente porque assim decidiu: ele não culpa ninguém por isso. Qualquer um pode ser cínico; o desafio é ser um otimista. Por mais estranho que pareça, vejo Max como um otimista muito mais do que como um cínico. E isso o torna, de certa forma, um romântico, como bem percebeste.
7 - Retomando essa distinção entre o erótico e o pornográfico, seu livro carrega e trás muitas informações dos "clássicos do gênero" e de alguma forma coloca em debate o antierotismo, provocado pela sobrecarga de estímulos, que na obra detectamos em cenas, digamos, pouco convencionais. Como você vê essa questão?
Z.S: O título "A Era de Ouro do Pornô" não foi escolhido por acaso. Primeiramente, porque o personagem principal é um fã da referida era, que no universo dos filmes pornôs corresponde a um período compreendido pelos anos 70 e início dos anos 80, uma época onde os filmes eram realizados em película - antes da popularização do videocassete - e exibidos em cinemas. Filmes como "Garganta Profunda" e "Atrás da Porta Verde" chegaram a ser exibidos em cinemas convencionais e tornaram-se fenômenos de massa, chegando a ser considerados como filmes de efetivo valor artístico. Em segundo lugar, os filmes da referida Era de Ouro eram incensados por supostamente terem uma história, algo que atraía as pessoas para além da pornografia, contrariando o consenso geral de que "não existe pornô com história". E esse é justamente um dos objetivos do livro, como dito acima: atingir o supostamente inatingível, qual seja, ser um "pornô com história", como os filmes da saudosa Era de Ouro do Pornô. Eu diria que algumas cenas do livro possuem alto grau de erotismo, sendo "pornoeróticas". Outras são mais cômicas; outras, mais trágicas do que cômicas. Assim é o sexo: genial, erótico, excitante, mas também engraçado, trágico, sujo. Misture todas essas características e você terá o pornô. Claro que, hoje em dia, com a pornografia a um clique do mouse de distância, tudo parece banalizado, nada parece proibido, e o que era para ser erótico acaba por se tornar antierótico. Confesso que nunca tinha observado o livro por esse ângulo, mas tens toda a razão.
8 - Bom, já falamos uma bocado da obra, deixemos aqui um espaço para a labuta do autor. Seu romance é publicado por uma editora pequena e que provavelmente exige um bocado de trabalho do autor. Nesse sentido, como observas o mercado literário, e o que tens feito para chamar atenção para sua obra?
Z.S: Lancei meu primeiro livro de maneira independente, tendo assumido sozinho praticamente tudo: diagramação, inscrição no ISBN, inscrição dos direitos autorais, ficha catalográfica, idealização da capa... Tenho noção exata do trabalho hercúleo que foi. Assim sendo, sou imensamente grato à Editora Multifoco por ter se interessado na publicação do meu romance. Como disseste, é uma editora pequena, focada na publicação de autores ainda desconhecidos, uma editora que ainda não tem condições de colocar seus livros nas prateleiras das grandes livrarias, tampouco divulgar ostensivamente seus autores. Mas já vejo um grande facilitador quanto à distribuição, pois o livro está à venda no site da própria Editora Multifoco e também no site da Livraria Cultura, o que, na prática, o torna acessível a qualquer leitor brasileiro. Além disso, a Multifoco me oportunizou fazer um lançamento na Bienal do Livro de São Paulo, no dia 03/09/2016, o que tenho certeza que será uma experiência incrível para difundir a obra. De minha parte, estou apostando em parcerias com blogs literários, os quais são, sem sombra de dúvida, excelentes ferramentas tanto para divulgação quanto para saber o que os leitores estão achando do livro. Tenho também usado as redes sociais para divulgação, bem como a playlist da trilha sonora do livro, disponível no Spotify a qual considero um pequeno diferencial que pode ajudar a atrair interesse na obra.
9 - Aliás, sua obra possui uma roupagem bastante comercial, mas ao ver deste leitor, reúne uma série de elementos que a colocam numa literatura mais compromissada. Portanto, conte-nos um pouco mais sobre sua visão e concepção de literatura.
Z.S: Tens toda a razão. Meu objetivo foi realmente fazer um livro POP, no melhor sentido da palavra. Uma leitura fácil, direta e despretensiosa, focada unicamente em um objetivo: contar uma boa história, cativante e com personagens verossímeis. Queria que os leitores vissem os personagens como pessoas que eles pudessem conhecer, que vissem uma Porto Alegre que eles conseguissem identificar. Pelo retorno que tive até agora, acho que consegui. Por outro lado, contudo, não queria que fosse um livro raso, que não trouxesse qualquer tipo de reflexão. Gosto do fato de que o livro reflete a Porto Alegre dos anos dois mil e dez, captando um curtíssimo espaço de tempo (meia década, talvez) onde tantas mudanças aconteceram tão rápido. Um momento crucial para as gerações Y e Z e, ao mesmo tempo, efêmero, uma vez que a noite de 2012, descrita no livro, é completamente diferente da de 2016. Gosto também das leves ironias trazidas no livro, como a questão da literatura erótica gerada pelo fenômeno Cinquenta Tons de Cinza (espelhada na personagem Bianca), a questão do “país dos doutores desempregados” (espelhada no personagem Januário), a questão de que, em 2012, ainda acreditávem que o Brasil era o país do futuro (quando Max diz que prefere Porto Alegre aos Estados Unidos) e a questão de toda uma geração ter aspirações "artísticas" (todo jovem retratado no livro quer ser escritor, DJ, dançarino, ator, youtuber, etc. em detrimento das profissões “tradicionais”, muito embora nem todos tenham talento para serem artistas).
10 - Para encerrar, ainda que possa haver reclamações pela forma de algumas abordagens, reparaste que entre as personagens femininas há um bocado de gordinhas, gordas... Confessa, lá no fundo, é um fetiche?
Z.S: Hahaha, não, nenhum fetiche - e nenhum preconceito também, que fique claro.
Estimulante
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