10 Considerações sobre Os Invernos da Ilha, de Rodrigo Duarte Garcia ou seria mais uma história de tesouros

O Blog Listas Literárias leu Os Invernos da Ilha, de Rodrigo Duarte Garcia publicado pela editora Record; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre  livro, confira:

1 - Os Invernos da Ilha sustenta-se pelo prazer da leitura descompromissada que contudo não mascara a intensa presença dos clichês, de certa forma, talvez intencionais como dirá seu narrador protagonista, bem como uma forte sensação de que já vimos tudo isso por causa das inúmeras influências presentes na obra que de alguma forma deixa-nos a sensação de não nos trazer nada de novo;

2 - É que o romance (diga-se, narrado por um personagem empoado e academicista cuja linguagem altamente normativa torna-o um tanto deslocado temporalmente) ao narrar a aventura de seu narrador, o professor Florian, e seus companheiros, Rousseau, Cecília, Jorge e Viviana em busca de um possível tesouro perdido pelo antigo navegador holandês Olivier Van Noort dá a sensação em certos momentos de ser construído através de diversas colagens que da gênese da trama ao seu desenvolvimento reconheceremos passagens vistas tanto na literatura, e principalmente no cinema de aventura, em obras como Indiana Jones, Os Goonies, A lenda do Tesouro Perdido, reunindo dos principais clichês do gênero, das pistas cifradas em versos ao caminho indicado por símbolos, da ponte em ruínas ao beijo dado em momento de euforia, até mesmo o tesouro que... enfim, a sensação é sempre de um dejá vu, todavia, um dejá vu em muitos momentos compartilhado pelo próprio narrador durante a narrativa;

3 - Muito provavelmente esse olhar mais crítico sobre a obra nasça do choque provocado entre expetativa e experiência, pois a divulgação entusiástica nos dá a sensação de haver no romance de Duarte Garcia uma nova grande joia da literatura, como vemos em textos na capa e nas orelhas da publicação, mas que porém pareceu-me não sustentar, até porque a obra ainda que com muitas qualidades possui sim "concorrentes" à altura dentro do gênero no país, como é o caso, por exemplo, de A Ilha Perdida, da Maria José Dupré. Talvez elogios tão exacerbados acabem atraindo para obra olhares mais em suas deficiências, do que sobre suas qualidades, que existem;

4 - Não que a simples aventura não seja elemento suficiente para satisfazer os leitores, pois se nos desprendermos de críticas mais profundas, o romance consegue de fato exercer o papel de uma boa obra de aventura, entretendo-nos até o final de suas páginas com bastante prazer, pois ali além da instigação e do desafio estão também presentes o perigo e o romance, e ainda que não o venham com novidades, nos envolve como leitor diante a simplicidade da trama;

5 - Por isso, a experiência do leitor deste livro estará sempre ligada ao contrato de leitura pré-estabelecido, por isso, creio que no caso daquele que se aventure pela Ilsa Sant'anna Afuera de Duarte Garcia sem grandes pretensões, encontrará a adrenalina buscada, e reconhecerá sem maiores dificuldades as dezenas de vozes que influência a ação;

6 - Todavia, retomando a narrativa e seu narrador, temos aqui um caso curioso, justamente porque Florian Links, uma narrador todo certo dos pronomes e das regências constitui-se ainda que uma personagem sem grande profundidades, mas no mínimo curioso. Temos nele uma espécie desses protagonistas de romances policiais noir carregados de culpa e atormentados por suas próprias sombras; no caso de Florian tais tormentos se revelarão ao leitor mais atento tão somente como um jogo de sombras e névoas na tentativa de mascarar seu caráter condenável e suas atitudes muitas vezes deploráveis, porque uma coisa é certa, não temos nele um herói, creio tampouco o anti-herói, mas sim uma figura dissimulada, mas nem tanto, que é incapaz de esconder sua natureza covarde e egoísta. Contudo, ainda que reúna tais características interessantes, não consegue ele escapar de sua previsibilidade, nem mesmo quando sua suposta redenção;

7 - Aliás, perceberemos logo ao avanço da narrativa, que não temos no conjunto das personagens a complexidade de suas constituições, como espera-se da obra literária, são muito mais com aqueles personagens do cinema que precisam preterir a constituição psicológica pela ação afim de dar conta de uma existência dentro de um curto e relativo espaço de tempo. No caso do livro, nem mesmo as tentativas do narrador com suas frases de efeito e citações variadas na tentativa de conferir-lhe certa erudição são capazes de torná-lo complexo;

8 - Portanto é de simplicidade que estamos falando aqui, do fato de nos atirarmo-nos por trilhas que levam ao pote de outro para além do arco-íris. Da diversão de depararmo-nos com pistas secretas em poemas antigos, e como se fosse um mapa do tesouro guiar-se por entre conversas turronas dos diálogos entre Rosseau e Florian. É ainda o flerte das pequenas paixões, além da admiração e respeito aos mestres, como a ligação entre Jorge e Florian. Além de tudo é o ritmo vertiginoso como dos thrillers que impregna a ação de certa urgência por cenários bem descritos e que convidam para aventura. Creio concentra-se nisso grande partes da aventura da ilha e seus invernos, mesmo sem trazer grande novidades, exceto o ponto mais interessante que abordo a seguir;

9 - Sem dúvida alguma Os Invernos da Ilha é um ótimo exemplo que uma obra precisa ser lida por inteira para que só assim possamos tirar nosso juízo final da leitura. Se por uma lado, em sua grande parte a narrativa não nos dá aquele gosto de singularidade mantendo aquela sensação de já vi isto, é lá pelas páginas trezentos e quarenta que fortalece-se a presença do realismo fantástico, aquilo que nos condiciona à velha máxima yo no creo en brujas pero que las hay las hay. Com isso abre-se a terceira parte do romance e seu momento mais impactante, aquele que trás uma série de perguntas, dúvidas e insinuações sobre as passagens anteriores criando assim um tribunal bastante maquiavélico em que a culpa perambula. É certamente em sua parte final, em seus estertores que o livro veste-se de autenticidade;

10 - Enfim, é preciso balancear a leitura de Os Invernos da Ilha entre seus elogios e sua existência fática. Podemos caminhar por entre a diversão e a crítica pesada. E se, a meu ver o livro não representa algo inovador, por outro é uma narrativa competente, e mesmo seus defeitos não são escondidos por seu narrador, o qual, certamente  leitor poderá estabelecer antipatia diante suas contradições. É um bom romance nacional, para ser lido sem compromissos, expectativas, ou pré-julgamentos, e claro, para ser lido até o fim, pois são suas últimas páginas o grande momento da obra, num encerramento em romance digno aos contos.





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