O Blog Listas Literárias leu O Grifo de Abdera, de Lourenço Mutarelli publicado pela Companhia das Letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 – O Grifo de Abdera é um romance que põe a própria literatura no divã, e se propõe a discutir uma série de questões sobre o fazer literário, seja da própria condição de autoria e protagonismo, seja da estrutura e da forma narrativa, tudo isso num ambiente em degradação, no qual as personagens se constituem duma acidez virulenta;
2 – A discussão acerca da autoria e da própria narrativa fica evidente ao vermos um Mauro Tule que juto doutros personagens “cria” o Lourenço Mutarelli. Para além da construção fictícia desta figura de autor, há ainda a presença de Oliver Mulato, o qual é Mauro também… Este jogo literário de quem é quem provoca uma série de questionamentos a respeito de certezas, além de exigir concentração do leitor até que se situe neste enrosco todo;
3 – Já quanto a estrutura do romance, a questão surge com a quebra do comum a partir da inserção da “hq” XXX de Oliver Mulato na narrativa, porque de toda forma ela é uma peça dentro do contexto da narrativa e de alguma forma colabora para a observação desta personagem. Aliás, o roteiro desconexo e um tanto indefinível desta parte da publicação;
4 – E se por um lado a “hq” nos parece um tanto surreal e para lá de esquizofrênica, sua ambientação segue a mesma da narrativa, num processo total de degradação, permeado pelo sexo e pela dubiedade da natureza humana, sempre dividida entre o bem e o mal, o certo e o errado, o mundano e o casto…
5 – Mas embora a grande temática da obra seja a própria literatura, o livro penetra por caminhos obscuros e com personagens dotadas de tintas sombrias em que as relações que as ligam são pelo interesse ou pela obsessão, como é o caso de Gilda com Oliver Mulato;
6 – Com isso, temos uma narrativa um tanto onírica e com uma prosa de efeito e impacto na qual suas personagens caminham para uma inevitável ruptura, tensionando o romance de tal forma que em determinados momentos abandonamos a observação das discussões literárias para nos deter simplesmente nas habitantes da obra e suas desventuras;
7 – Retomando a questão das discussões acerca do fazer literário que norteiam o romance, tudo é feito com certo cinismo e sarcasmo, por horas rejeitando a relevância do escritor, mas sem jamais abandonar a feitura desta arte. Todavia, em muitos momentos os percalços e os problemas dos escritores ganham vida e voz. O sarcasmo e o deboche também surge quando o narrador questiona o formato cíclico, algo bastante usado recentemente, de certa forma, uma moda;
8 – Por tudo isso, este é um livro para leitores exigentes e que gostem de narrativas intricadas que nos exige profundamente, pois é composta de uma série de camadas que lhe abre uma série de interpretações que levará ao leitor refletir um bocado sobre tudo;
9 – Mas é também um livre com cenas e cenários recorrentes à literatura, o que familiarizará qualquer leitor, principalmente porque do amor à tragédia tudo é um passo, e no final das contas, a obra nos brinda com um pouco de sangue e sexo, coisas que sempre atraem;
10 – Enfim, O Grifo de Abdera é um livro interessante a ser observado. Inteligente e questionador, sua narrativa fala de si mesma, sendo portanto quase um estudo teórico a respeito do romance, mas que também se permite ser uma trama de estranhamento e obsessões com um gran finale que pode agradar todo tipo de leitor.
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