Cachorro vai, cachorro vem, 10 considerações sobre Te Vendo um Cachorro, de Juan Pablo Villalobos

O Blog Listas Literárias leu Te Vendo Um Cachorro, de Juan Pablo Villalobos publicado pela editora Companhia das Letras; neste post confira as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro:

1 – Com uma prosa envolvente e uma trama carregada de ironias e criticidade, Te Vendo um Cachorro é um romance que fala de muitas coisas, inclusive da arte e da feitura do próprio romance, numa obra que o fim é o começo, e o começo é o fim;

2 – Ambientado na capital mexicana, somos apresentados à personagens intrigantes e palpáveis, a começar pelo seu rançoso, sarcástico, e por que não, mentiroso protagonista, Teo, que supostamente estaria escrevendo um romance, algo do qual ele se declara inocente. Será Teo que conduzirá o leitor pelos subúrbios e pelo mundano da vida periférica mexicana, ao mesmo tempo que será a ligação entre esta “pobreza” e a arte através de seu inusitado eruditismo para um taqueiro, tudo isso altamente influenciado pela teoria estética de Adorno;

3 – Mas não apenas Teo se apresenta como uma personagem intrigante, pois ao seu redor, gravitam outras figuras tão interessantes quanto este suspeito escritor. Mao, um guerrilheiro estereotipado, Willem, o mórmon, são apenas algumas das personagens curiosas que aparecem na obra, assim como o Feiticeiro, uma homenagem a um artista plástico mexicano, Manuel González Serrano;

4 – Narrativa vai, narrativa vem, o leitor então é colocado diante de uma série de discussões, como a velhice, apresentada de uma forma tão irônica quanto o próprio Teo; Esta velhice é de certa forma desprezada, e vista com um olhar decadente e recalcado, sendo também um retorno à infância com suas birras e manhas. E essa aproximação entre a juventude e a velhice muitas vezes se dá no livro de forma erotizada, principalmente nos momentos que o narrador mela suas calças, tanto jovem, quanto velho;

5 – O livro ainda fala da miséria e da sobrevivência ao mesmo tempo que percorre eventos recentes da história mexicana, como o terremoto de 1985 e a recente posição de um mexicano como mais rico do mundo. Esta visão sobre tais discrepâncias mexicanas se evidenciam, especialmente quanto ao caráter da sobrevivência, o que aliás, põe os cachorros na obra e nos tacos. Duro, mas realista, nesse ponto o livro esboça seu olhar sobre esta pobreza e a sobrevivência nos subúrbios da capital;

6 – No entanto, no caso de Teo a pobreza embora uma condição, sua vida e destino apresenta-lhe uma pequena esperança, graças a sua paixão pelas artes, paixão esta "herdada" do pai. No caso de Teo, sequer é possível afirmar peremptoriamente que não foi lhe dado escolha, pois sua carreira como taqueiro é mais uma aceitação do que propriamente uma imposição de sua condição social;

7 – Mas acima de tudo, Te Vendo um Cachorro não é um livro sobre tacos e cortiços, mas sim sobre a arte e sua capacidade de construção histórica e de revisão. Desde o princípio uma obra que versa sobre a literatura, e especialmente sobre a estética, em que Adorno e suas concepções marcam com muita força a narrativa. Aliás, poderíamos pensar que a divisão do romance em suas duas partes é uma declaração de tudo que permeou sua elaboração. Em Teoria Estética, por exemplo, ao passo que Teo narra sua trama, indica também seu olhar sobre a arte, um olhar que compartilha as visões de Adorno. Já na segunda parte, Notas de Literatura, o próprio romance versa sobre a feitura da literatura, especialmente das oficinas que Teo ministra para o Cabeça de Mamão, pois se o leitor atentar para o que é dito, muito é feito no próprio romance, caracterizando toda a metalinguagem presente. Um exemplo disso é a economia e a ocultação de determinados detalhes, como no livro, a cisão entre Teo e Marilín;

8 – Mas talvez o que mais marque em toda a obra é a ironia. A ironia está presente em quase todo o livro, de Mao, um guerrilheiro fajuto que não passa de uma farsa que a despeito de seu esquerdismo, vive tendo seu capitalismo denunciado por Teo. A ironia gera impacto quando se percebe que os tacos com “carne” pioram depois que se salvam os cachorros; está presente no mórmon que quebra seu celibato, mas transa sem camisinha porque é pecado. Também está presente na morte do pai de Teo, em seu último desejo e possibilidade de fazer arte, que lhe é “negada” pelo filho. Ironia ainda mais gritante com o que lhe ocorre com suas cinzas. É sem dúvida, um livro irônico;

9 – Além disso, o tom anedótico, visto na própria prosa coloquial em que papo vai, papo vem, também ganha tintas inverossímeis com tudo que ocorre no prédio em que Teo e a turba de idosos reside, e em alguns momentos quase alcança o fantástico (se não o alcança), como o amestramento das baratas com a “boa” e velha música cubana;

10 – Enfim, Te Vendo um Cachorro é literatura, e das boas. Com uma narrativa que nos envolve e estranha, não conseguimos parar a leitura, porque a ambientação sarcástica e debochada nos leva a seguir em diante sempre querendo mais. Todavia, é também um romance sobre os romances, e que talvez, além da ironia, o que nos fixa mais explícito é a farsa. A própria farsa da escrita e da escolha do quê escrever não pode ser negada; uma obra que inclusive coloca em debate uma série de questões da narrativa, constituindo num só, narrador, autor, e protagonista, algo incomum e difícil de elaborar, e que na obra funciona perfeitamente em seu princípio e fim cíclico.




Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem