10 Considerações sobre Raylan, de Elmore Leonard ou sobre western's contemporâneos

O Blog Listas Literárias leu Raylan, de Elmore Leonard publicado pela Companhia das Letras; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:


1 - Western contemporâneo, Raylan, o agente federal no romance e que dá o título ao livro protagoniza uma destas narrativas que adentram ao profundo de uma nação, em territórios onde vale a máxima roseana que "viver é muito perigoso", onde a bala e instintos ainda muito primitivos vigoram sempre num pêndulo de movimento delicado em corpos que se movem por meio de uma lógica peculiar - a alguns, talvez arcaica;

2 -  Mas antes de avançarmos pela leitura do livro, vale dizer que Elmore Leonard era um daqueles autores que está na sua lista por conhecer. Nutria alguma curiosidade por seu trabalho, e no caso da minha lista, era um nome que há tempos esperava ler. Esse primeiro contato não se deu sem algum estranhamento, pois há em sua estética alguma peculiaridade - ao menos neste livro - em relação aos romances considerados policiais. No caso deste leitor, certa estética do drama, marcada pela enunciação dos diálogos parece tornar a narrativa mais pesada, casando com a atmosfera do romance;

3 - Sim, a aridez é necessária ao ambiente que Leonard quer transmitir. Uma região marcada pelo passado, ultrapassada em que o carvão mineral traça o destinos da personagem. Há certa tentativa de transparecer esse lugar irrespirável marcado pela cobiça das grandes companhias, o abuso do capital e a criação de miseráveis explorados pelo poder financeiros destas empresas;

4 - Por isso,  despeito de ser uma narrativa policial que parece reproduzir o bang bang do passado em tempos contemporâneos, há no livro, sem a necessidade de ser explícito, a discussão de fortes elementos políticos no livro. Não pode passar despercebido como o autor retrata as relações de poder estabelecidas a partir do capital. Há no próprio agente federal Raylan a figura de um "sindicalista" de piquetes a lutar contra a exploração do poder financeiro do carvão;

5 - Nesse sentido, a crueza e aparente falta de humanidade da srta. Conlan parece paradigmático na tentativa de representar a postura das indústrias do carvão mineral, mas não só delas, afinal, de grande parte da indústria norte-americana adepta a um capitalismo predatório que não fica em dívida com os usurpadores do western selvagem;


6 - Nesse sentido, não deixa de ser curioso e mais um ponto para a capacidade da literatura em perceber problemas sociais, o fato de que a narrativa trata de um tema que vem a ser debatido com muito força após a ascensão de Trump ao poder e a sua política do cinturão da sujeira, em que tenta dar certo vigor a uma indústria defasada;

7 - Aliás, vale dizer aqui que Raylan é o último romance de Leonard. Além disso, há nele toda uma construção peculiar. A obra é inspirada na série de televisão Justified, que por sua vez parte do conto Fire in the hole, ou seja, uma construção circular dentro do universo do autor;

8 - Dito tudo isto, creio que duas coisas são importantes falarmos quanto ao livro. Primeiro, claro, a força de seu protagonista. Raylan, embora um agente da lei, carrega em si certa natureza picaresca que lembra-nos mais um contrabandista sobrevivente que um policial. Isso porque em boa parte age sob sua ética pessoal, ética que muitas vezes credita ao ambiente, ao seu espaço e que o leva a trilhar um caminho de relação muito próxima tanto de um lado da lei, quanto do outro. Com isso quero dizer, que certo ou errado, ele faz parte de um mundo bruto, um mundo que entende sob suas próprias regras, o que faz dele um agente capaz de ignorar os manuais;

9 - Em segundo, vale dizer do caráter de crônica do romance. Diferentemente das narrativas do gênero, geralmente com um crime que centraliza a ação, Raylan está mais para crônicas sobre seu protagonista. Não que não haja uma linha mais ou menos central, mas nada assim definido, tanto que a primeira investigação na narrativa termina pelo meio do livro, enquanto a segunda metade amarra um maior número de personagens; isso tudo reforça a noção de crônica da narrativa, que mais trata dos homens e do ambiente bruto em que vivem com seus próprios códigos. Um código duro, voraz, arcaico, mas ainda vigente;

10 - Enfim, Raylan é destes livros com diferentes atrativos. Bem verdade que seu ambiente rústico, duro e um tanto insensível é transposto para a estética, o que, claro, aqui é elogio. Western contemporâneo, fala de um tempo que não se foi, de códigos que a despeito das cidades modernas e as grandes metrópoles às vezes alienadas desse mundo ríspido, persiste e, como temos visto, pode sempre vir à tona. Desconfio que se Leonard se encontra-se com Guimarães Rosa diria, "é, brasileiro, viver é muito perigoso".

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