10 Considerações sobre Fique Comigo, de Ayòbámi Adébáyò ou das tragédias da vida

O Blog Listas Literárias leu Fique Comigo, de Ayòbámi Adébáyò publicado pela editora Harper Collins; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Intenso e potente, Fique Comigo é destas narrativas que retratam não só as vidas que contam, mas também a cultura e os dramas de uma nação, suas contradições, incongruências e tragédias, e tudo isso construído pelos "pequenos" dramas humanos que a constituem. No caso de Akin e Yejide o drama e a tragédia são tão intensos quanto os da nação que rui ao pano de fundo de suas histórias;

2 - Podemos observar, claro, a narrativa com muita força quanto a luta existencial que é ser mulher na sociedade e na cultura nigeriana. Yejide é constantemente cobrada e pressionada por tais valores que lhe exigem cumprir determinadas rotinas para com seu círculo social, especialmente a maternidade. Todavia, a autora não o faz de maneira panfletária, até porque as cobranças aqui são partilhadas, e indício disso é não só o fato de ela dividir a narração com Akin, mas também pelos próprios dramas dele, não menos intenso de que os seus;

3 - Nesse sentido vale dizermos que trata-se de uma obra de grandes compromissos literários, como podemos observar pela estética da narrativa. Yejide e Akin dividem a narração em suas vozes em primeira pessoa e cujo detalhe, talvez significante, não narram para atenção de um público amplo ou diverso, narram um para o outro, de modo que Akin é o narratário de Yejide e ela o dele, opção que confesso, parece-me bastante rara;

4 - Isso faz com que se fosse como a realização de um encontro de contas de almas que enfim decidem resolver suas questões. O casal, peculiar para as tradições nigerianas, a bem da verdade passa por longos anos vivendo de meias verdades ou nem isso, sem diálogo, sem confissões, ou mesmo sem a intimidade confessional de um para com outro. Não se abrem, não discutem seus problemas, se escondem um do outro, e então, a narração de um para o outro parece romper aquelas décadas de silêncio, quando enfim todos põe as cartas na mesa, claro depois de anos de afastamento e desilusões mútuas, além dos desencontros e das tragédias sofridas;

5 - Claro, é possível que o tempo tenha lhes dado essa capacidade de um acerto de contas por meio da narrativa, pois há no romance dois tempos distintos, o de 2008, passados os acontecimentos e que os dois estão distantes e envolvidos com o velório de Akin e os anos 80 e 90 por quais se desenlaçam os acontecimentos e as tragédias pessoais do jovem casal;

6 - Tragédias estas provocadas pela pressão social, mas também pela individualidade humana, de tal modo que desde que se casam, os dois passam a conviver com um grande caldeirão de pressão formado pelas cobranças entre eles, familiares, e sociais. Particularmente Akin e Yejide vão sendo defenestrados pelas dores e pelos dramas que os acossam constantemente, da dificuldade dela engravidar, das artimanhas do marido e de seus segredos que vem à tona apenas na parte final;

7 - Aliás, não é uma narrativa que se confunda com romances românticos. O livro penetra a profundidade humana, suas contradições, seus enganos e erros absurdos. Não trata-se de termos mocinhos e mocinhas, pois os dois protagonistas serão desenhados em todas as camadas humanas possíveis, as boas e as más, o que faz da obra certamente um dos bons valores da literatura de seu país;

8 - E como em geral tenho visto em minhas leituras de literaturas de países africanos, há no drama narrado toda força da ancestralidade presente e do conflito nascido com a presença da cultura estrangeiro, o tribal e o moderno estão permanentemente em choque, no caso do livro, pelo contraste entre Akin e sua família, e com isso revelando também todo o embate cultural que só efervesce as emoções dentro da narrativa, mas tratam também de questões referentes às mudanças de um mundo cada vez mais dominado pelo ocidente branco;

9 - Além disso, sob o fundo da narrativa há ainda o valor político do romance, em que a conturbada e autoritária história da política nigeriana vai sendo colocada diante o leitor. A bem da verdade há ao mesmo tempo distância e proximidade entre população e os homens do poder, tanto que em momentos críticos, os diferentes golpes por quais passam durante a narrativa vão se aproximar muito de experiências pessoais dos protagonistas, de modo que é também uma narrativa sobre poder;

10 - Enfim, Fique Comigo além de emocionar é uma pungente construção literária construída com força e precisão e que apresenta-nos uma história do quão cruel e desastrosa podem ser nossas vivências e experiências no devir da vida. É destas leituras de desgastar o estômago, de causar incômodo e reflexão numa leitura capaz de deixar suas marcas no leitor.


  

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