10 Considerações sobre Bitch, de Carol Teixeira ou por que escolhemos a putaria...

O Blog Listas Literárias leu Bitch, de Carol Teixeira publicado pela editora Record; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:

1 - Entre o conto (afinal é possível lê-lo em uma sentada entre outras características) e a novela, Bitch não é uma obra a ser deglutida e interpretada numa única leitura pois a despeito de sua aparente simplicidade há muitas nuances e detalhes a serem observados com bastante atenção pois há elementos suficientes para percebermos que estamos diante uma proposta audaciosa não só pela temática, mas por toda sua estética literária capaz de desencadear interessantes discussões;

2 - É que em termos de estética e estrutura notamos elementos muito interessantes na escrita da Carol Teixeira. A começar por sua forma meio que "inception" numa espécie de boneca russa em que sem exageros poderíamos pensar num livro dentro do livro que está dentro dum livro nublando especialmente a questão da autoria da obra. Esse é um detalhe da publicação que certamente renderia um bom ensaio porque aqui a autora brinca com uma serie de limites esgarçando suas fronteiras;

3 - Além disso, não poderá o leitor de forma alguma desconsiderar tais escolhas estéticas porque elas são grande parte da alma do livro. Nisso, será imprescindível observarmos a divisão de seus capítulos que alternam-se entre a primeira e a terceira pessoa, e a cada mudança destas que até a metade do livro dá-se de forma equilibrada, alterando com isso autoria e personagens. Do mesmo modo, haverá um momento de ruptura, que de certa maneira pode pegar o leitor de supetão visto que surgem mudanças significativas em determinado personagem, observaremos a predominância da voz em terceira pessoa, abrindo espaço ainda para capítulo em que temos uma solução com a voz da segunda pessoa justamente quando tudo já está misturado em termos de autoria, personagens, e obra;

4 - Sem falar ainda no jogo estabelecido pela escolha da autora em como denominar seus capítulos. Ao dividir a obra em versículos temos colocado na mesa uma antítese à temática da obra, o que poderia ser considerado ou como provocação ou como convite à reflexão. Se por um lado versículo geralmente está ligado a escrituras sagradas e religiosas, por outro é o empoderamento pelo sexo, a escolha pela putaria do que se trata a obra curta, e isso obviamente é mais uma demonstração do quão audaciosa pode querer ser esta obra;

5 - Dito isto, desde seu princípio este é um livro que pretende discutir o erotismo, na verdade mais do que isso, é escrever sobre o ponto de demência de alguém, que para autora e Deleuze "o ponto de demência é o erotismo". Todavia o que vimos aqui nada tem a ver com o erotismo propagado por obras como Cinquenta Tons de Cinza, pois o livro aqui navega por águas muito mais sérias e referências bem mais profundas e complexas do que estas obras. Vemos aqui uma reflexão do erotismo e sua relação com o comportamento humano, para isso, ao longo da obra veremos citações e reflexões dadas a partir da cânones da arte da putaria, cânones que demarcam e traçam caminhos e escolhas das personagens C. e Princess;

6 - Aliás, Bitch ao mesmo tempo que se mostra contemporâneo (vide inclusive sua vocação para as palavras estrangeiras desde o título) não esquece o que veio do passado , e ao trazer para suas obras uma série de referências, as faz com muitos clássicos da literatura erótica (a original), da filosofia, das artes, da música, enfim, uma demonstração de grande erudição, mas uma erudição conveniente ao que se propõe narrar o livro;

7 - Retomando o que havia dito no começo do post, ainda que possamos ver a obra como uma novela, o conto talvez seja onde encaixe-se melhor, especialmente porque para além de seu tamanho há presença de elementos em sua narrativa que evocam grandes contistas e seus estilos, como certa lembrança á teoria do iceberg de Hemingway pois temos aqui uma obra cuja superfície a primeira vista pode soar até mesmo superficial, contudo sob as águas de seus versículos há muita coisa escondida, muito debate a ser feito e muitas reflexões e interpretações que abrem-se aos leitores;

8 - Todavia não quer-se dizer que a obra não reúna lá seus clichês ou seus elementos que de certa forma tem caracterizado a escrita intelectual brasileira recente. Temos na obra a presença daquela que escreve e um universo habitado por pessoas cultas e artísticas, entretanto, esses são apenas elementos superficiais de uma escrita cujo não dito sobrepõe-se e com isso torna menos relevante o universo em que está ambientado e por quem está habitado;

9 - Ademais, a publicação não deixa de conter também suas polêmicas, talvez a que possa render mais frutos para reflexões e debates é a posição de poder das mulheres que usa o sexo e a sedução como instrumento de inversão do jogo. No livro veremos "que aquela que está com o pau na mão" pode ser de fato a dona do poder, ao menos naquele instante, proposição que por si só pode gerar infindáveis protestos de um feminismo mais ortodoxo ao mesmo tempo que pode servir de argumento para outras formas de empoderamento, inclusive pela putaria;

10 - Enfim, Bitch é interessante, quente e muito inteligente. Uma narrativa curta que impregna-se ao leitor e o acompanhará para além do término das pouco mais de cem páginas, pois para aqueles que gostam de observar qualidades estéticas e boa literatura, ei um trabalho que te convida sempre a revisitá-lo. Portanto, como nos convida o livro, deixemos de lado a metafísica e nos dediquemos à putaria, ainda há muito sobre o que refletir e pensar sobre esta que talvez seja a mais prazerosa das condições humanas.



3 Comentários

  1. Existem intelectuais que são poucos e existe a maioria que arruma sempre um pretexto para dizer que seus instintos são baseados num julgamento racional. Antes assumissem a irracionalidade de seus julgamentos, sem tanto blablablá, seria menos vergonhoso.

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  2. Falta vírgula e artigo nesse post...

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