10 Perguntas inéditas para Isabel Moustakas

O Blog Listas Literárias entrevistou a autora Isabel Moustakas (a moça da foto, ou não, né, rsrsrs) cuja publicação Esta Terra Selvagem (Avaliação aqui) tem atraído debate de crítica e público. Neste post a autora nos fala de sua obra, sobre literatura, mas acima de tudo traça um retrato do cenário de violência no país, confira:

1 - Noutros tempos diríamos que "Esta Terra Selvagem" seria uma distopia, contudo, hoje, quem sabe poderíamos vê-lo quase como uma reportagem do cotidiano. Que tempos são esses, e como eles devem influenciar nossa literatura?

I.M: A violência sempre esteve presente, mas os tempos que vivemos me parecem bastante carregados. Acho que o nosso cotidiano já é essencialmente distópico. Por uma série de razões, tais como a cidade em que vivo e as leituras que faço, o meu olhar é direcionado para alguns dos aspectos mais brutais da existência. Então, preciso reelaborar o que vejo, ou enlouqueceria. A ficção tem essa função para mim, de reelaboração e reflexão da experiência muitas vezes traumática que é viver nesta cidade, no século XXI.

2 - Como sabemos, os limites dos gêneros são cada vez mais esgarçados (ou inexistentes), nesse sentido como você observa Esta Terra Selvagem, algo entre o romance e a novela, mas que não deixa de flertar com o conto?

I.M: A rigor, "Esta Terra Selvagem" é uma novela. Desde quando a história me ocorreu, optei por desenvolvê-la com a maior brevidade possível, mesmo que isso implicasse em alguns sacrifícios. Não há muito tempo para aprofundar os personagens, por exemplo, uma vez que tudo acontece com uma tremenda velocidade. Queria que o resultado final fosse curto, urgente, algo para ser lido de uma só vez. Um instantâneo da nossa loucura social. Meu novo romance tem outra pegada, é mais longo e menos acelerado. São opções que faço quando me deparo com uma nova ideia. Fiquei satisfeita com "Esta Terra Selvagem", mas não veria graça em escrever de novo o mesmo livro, por mais que tanta gente legal esteja gostando dele. Não quero ficar apegada aos meus maneirismos, mas criar outros a cada livro e ver o que acontece.

3 - A violência o o fascismo são elementos presentes e estruturantes de sua obra. Qual o nível de representatividade e relação de sua ficção com a vida real e contemporânea?

I.M: O fascismo, ou uma sofisticada derivação dele, é a ordem vigente no Brasil. Nem me refiro às questões políticas em curso, impeachment etc., mas à própria estrutura do Estado, a desatenção proposital à educação, a repressão violenta a certos grupos e determinadas manifestações, o obscurantismo religioso e a corrupção entranhados em todos os lugares. O que a novela propõe é uma exacerbação de elementos e ocorrências com os quais já convivemos há muito tempo.

4 - Aliás, deveríamos acender a "luz de atenção"?

I.M: Acho que arrebentaram as luzes há muito tempo, e agora estamos aqui no escuro, tropeçando ou pisando uns nos outros e fingindo que enxergamos alguma coisa.

5 - Na sua obra, optou por uma linguagem simples e ágil, deixando para os atos os principais momentos de impacto de sua narrativa. Foi uma forma de chocar o leitor através de uma realidade menos distante do que se pode imaginar?

I.M: Eu não quis chocar ninguém assim gratuitamente. Eu apenas invento histórias inspiradas em coisas que acontecem todos os dias. Acho a violência algo terrível, é claro, e a única forma de usá-la sem gratuidade é essa, direta, simples, sem firulas.

6 - Aliás, seu livro nos revela como o trauma e o medo gerado com o nazismo e a 2ª Guerra Mundial estão presentes entre nós, como fica claro na atuação do grupo político em sua ficção. Você imagina que somos incapazes de aprender com os erros? O Brasil seria forte candidato a "reproduzir" uma nova "shoah"?

I.M: Em geral, não creio que sejamos capazes de aprender muito com os nossos erros. No Brasil, já tivemos horrores como o assassinato em massa de indígenas e a escravidão, cujos efeitos ainda são muito presentes. Não vejo como uma Shoah nos moldes daquela cometida pelos nazistas e seus aliados poderia acontecer aqui. Por outro lado, a quantidade de homicídios, crimes de ódio e estupros que acontecem ano após ano no Brasil não deixa de ser catastrófica. É claro que não estou comparando uma coisa com a outra. Jamais faria isso. Só estou dizendo que a sociedade brasileira desenvolveu e aperfeiçoou a sua própria barbárie. Vide, por exemplo, a maneira brutal como a polícia age, especialmente contra os mais pobres.

7 - Ainda sobre a obra, vemos que as personagens do livro reforçam algo muito presente nas narrativas brasileiras de crime que é a ineficiência da polícia, incapaz de investigar ou solucionar seus casos. Contudo, na sua obra, a despeito do que exprimem as personagens sobre a polícia, será a ação dele essencial para o desfecho. Como você observa isso?

I.M: No contexto do livro, é verdade, a polícia tem um papel crucial, mas, como você pode ver pela minha resposta anterior, não morro de amores por ela. Muito pelo contrário. A polícia é talvez o sintoma mais evidente da distopia brasileira. Ineficaz, corrupta e aterrorizante, ela é um tremendo agente da barbárie.

8 - Fugindo um pouco da obra, como você observa a literatura brasileira, e especialmente que papel ela pode cumprir nestes tempos que refletir e pensar faz-se tão necessário?

I.M: Acho que a literatura brasileira reflete com propriedade sobre o Brasil. Se você pensa no que Rubem Fonseca, Marçal Aquino e Edyr Augusto já retrataram, por exemplo, creio que autores como esses estão cumprindo muito bem o seu papel. O problema está na outra ponta, na quantidade e na qualidade dos leitores. Ou, para ser mais precisa, na péssima educação de que dispomos e que se mostra incapaz de fomentar a leitura. Os escritores e escritoras acabam dialogando com uma parcela muito pequena da população, de tal modo que suas reflexões não reverberam como deveriam.

9 - Aliás, conte-nos se puder, compartilhe conosco quais suas leituras preferidas. Que tipos de obras se destacam na sua estante? E os autores nacionais, o que pensa de nossa literatura?

I.M: Além dos que citei acima, também gosto muito de Patricia Melo e do "Cidade de Deus", de Paulo Lins. Na minha estante, você também encontra Fred Vargas, James Ellroy, Tana French, Jim Thompson, Haruki Murakami e Stephen King. Pois é, sou meio bitolada e quase só leio policiais, thrillers e coisas do tipo. Pelo número de brasileiros que coloquei entre os meus favoritos, dá para notar que tenho em alta conta o que se produz aqui.

10 - Para fechar, você acredita que a intolerância e a violência deverão pautar a literatura mais comprometida, pelos próximos anos?

I.M: Repetindo o que disse na primeira resposta, a violência sempre esteve presente e, nos dias que correm, irrompe ainda com mais força em nossas vidas. Como a literatura reflete muito da nossa vivência, acredito, sim, que haverá muitas obras lidando com esse tipo de tema no decorrer dos próximos anos. Eu mesma estou tratando de escrever algumas.

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