No post de hoje entrevistamos o escritor e professor universitário André Bueno, para entre outras coisas conversar sobre seu livro A arte da guerra chinesa, a cultura oriental e literatura. Confira:
1 - Começo dizendo da impressão de que aqui no Ocidente somos muito ignorantes da riqueza cultural do oriente. O quão pouco sabemos sobre civilizações milenares quanto a chinesa?
A.B.: Antes de tudo, quero agradecer a oportunidade de podermos conversar um pouco sobre a China. Numa sociedade ainda repleta de preconceitos, a luta para abrir a mente das pessoas para um mundo maior ainda enfrenta grandes desafios.Um dos grandes problemas na educação brasileira é que ainda somos essencialmente eurocentrados. Nosso currículo aceita excluir a imensidade de civilizações afro-asiáticas, entendendo que elas não seriam essenciais à formação de um conhecimento em ‘Humanidades’. Só essa postura preconceituosa mostra como temos problemas para construir um verdadeiro conhecimento universalista.
2 - Aliás, nossa ignorância nesse sentido não está embutida com certa arrogância ocidental e européia de crerem-se o centro de todos os saberes?
A.B.: Essa postura, porém, é recente na história. Até o século 19, a Ásia ainda era o centro econômico e tecnológico mundial. Essa impressão foi construída ao longo do período colonial mais recente, e obteve um sucesso impactante. Mas ela não pode mais manter-se, em virtude do renascimento afro-asiático. Notemos, porém, que os centros europeus e norte-americanos ainda mantém uma importante presença no meio científico, o que tem protelado seu papel de importância.
3 - Mas deixando essa análise mais externa, concentremo-nos em seu livro A arte da guerra chinesa. O que te levou a escrever o livro, para além, é claro, do fato que profissionalmente você se dedica às pesquisas sobre o oriente?
A.B.: Foi uma continuação natural do lançamento de minha versão da Arte da Guerra de Sunzi. A ideia, porém, era revelar uma história muito mais ampla e rica que existia na China, envolvendo a chamada escola dos estrategistas – uma longa tradição de pensadores que trabalharam com essa questão filosoficamente.
4 - O livro propõe uma análise mais ampla sobre as estratégias e a guerra para além da obra que em termos contemporâneos viralizou pela banda ocidental, "A arte da guerra". Nesse sentido você coloca os estrategistas enquanto uma longa tradição de pensamento chinês, pode nos falar a respeito disso?
A.B.: É impressionante como Sunzi tornou-se uma febre ocidental, sendo mesmo mais lido que Confúcio ou Laozi, pensadores substancialmente importantes na filosofia chinesa. Essa dimensão dada a Sunzi, muito em função do folclore que se criou em torno de suas traduções [dizem que Napoleão o teria lido!], eclipsou outros estrategistas importantes na história chinesa, que os chineses conhecem e usam muito mais amplamente do que supomos.
5 - Seu livro traz um panorama da história das dinastias chinesas, sempre envoltas em ciclos de disputa pelo poder e o enfrentamento de filosofias como umas mais humanistas, outras autoritárias. No que se aproximam Oriente e Ocidente neste sentido?
A.B.: Interessante pensar em como o império chinês foi tratado, muitas vezes, como síntese do despotismo – mas até o século 18, iluministas como Voltaire o admiravam profundamente. Penso que os imperadores chineses não eram mais ou menos problemáticos que os imperadores romanos ou os reis dos estados modernos. Se trata, sempre, de usar o espelho crítico para compararmos sistemas políticos.
6 - Seu livro analisa a estratégia em seus objetivos fundamentais, tanto que há observações críticas sobre o desmesurado uso dos pensamentos de Sunzi (Sun tsu) em áreas como o mundo executivo. Que tipos de enganos se pode cometer quando se parte de conceitos e filosofias para a guerra para uso em atividades, digamos, mais mundana, como o mundo dos negócios?
A.B.: O livro de Sunzi é um manual para a guerra. Quando a guerra começa, a moral já falhou. Assim, usar um manual de combate para o mundo dos negócios ou relações humanas, é uma metáfora imperfeita e falaciosa, que tenta normalizar a astúcia, o oportunismo e a desonestidade. Vejo de forma muito crítica tais adaptações e empregos, acho-as usualmente levianas e cínicas – afinal, todos operam dentro das leis de sua sociedade, onde o crime ainda é punido e reprimido.
7 - Dentre os estrategistas estudados por você, qual considera de maior relevância? Ou a relevância está no conjunto de diálogos entre os diferentes textos?
A.B.: Entendo que está no conjunto. Mesmo que Sunzi seja paradigmático, é importante notar as contribuições de cada um. Zhuge Liang, por exemplo, foi até mais bem sucedido do que Sunzi. Novamente, porém, a importância está no contexto, nas leituras que foram sendo feitas de cada um.
8 - Como autor e professor de história oriental, com a China cada vez mais protagonista no cenário global, quanto considera importante conhecermos mais destas culturas/civilizações?
A.B.: Indispensável, simplesmente isso. Elas não estão ficando poderosas, elas são desde muito tempo, e o século 20 foi um pequeno intervalo nessa história de preponderância. Não estudar a Ásia é viver voluntariamente na caverna de Platão, mantendo-se numa ignorância insustentável.
9 - E podemos fazer isso sem olhares de colonizadores? Com respeito a algo que é até mesmo mais antigo que nossa cultura? Se pensarmos comparativamente entre Ocidente e Oriente, não é uma bobagem chamarmos a Europa de Velho Mundo?
A.B.: Excelente questão! Não podemos, e nem conseguiremos, nos livrar dos pensamentos europeus ou norte-americanos; e nem acho que devemos fazê-lo! Toda contribuição ao saber é fundamental. O que precisamos é de mais Ásia e África em nosso aprendizado, e principalmente, a liberdade de poder escolher o que estudar. Abandonar a postura eurocentrada é o ideal; mas não devemos abandonar a diversidade das formas de pensar: isso seria apenas trocar um monopólio por outro, o que é igualmente ruim.
10 - Para finalizar, o que mais te atrai em suas pesquisas? Quais as contribuições mais importantes das culturas orientais que deveríamos conhecer e respeitar?
A.B.: A possibilidade fundamental de pensar por outras perspectivas. Isso me fascinou no pensamento chinês, principalmente em Confúcio, que admiro como um dos maiores sábios já existentes. Pensar o mundo, numa ótica diferente, é expandir nossas possibilidades de compreender a pluriversidade humana. Penso que podemos construir uma ciência humana mais diversa, repleta de alternativas e teorias, que expandam o conhecimento que podemos criar sobre nós mesmos. Essa é a riqueza desse empreendimento!
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