10 Considerações sobre O Gigante Enterrado, de Kazuo Ishiguro ou como o esquecimento é seletivo

O Blog Listas Literárias leu O Gigante Enterrado, de Kazuo Ishiguro publicado pela Companhia das Letras; neste post as 10 considerações sobre o livro:

1 - O Gigante Enterrado é definitivamente uma obra que não se esgota com apenas uma leitura tamanha sua profundidade e qualidade que encanta, assusta e se aprisiona ao leitor à sua trama e à narrativa numa produção profunda e formidável que nos aponta que ainda é possível (e necessário) o nascimento de grandes obras literárias, bem como nos mostra que nem tudo foi discutido, e mesmo aquilo que já centrou debates, pode ser enriquecido com novos argumentos;

2 - Com dois protagonistas inesperados, um casal de idosos, e aparentemente num universo de fantasia, a obra pode romper com qualquer definição ou classificação,e uma leitura mais atenta, pode nos revelar que tudo pode não passar de um jogo de fumaças, pois nos apresenta uma obra absurdamente realista, a despeito dos seus mergulhos na fantasia;

3 - Mas para além da memória como temática, como muitos colocam, não é apenas sobre as lembranças que fala o livro, e sim sobre quais  tipos de lembranças escolhemos carregar conosco, especialmente por meio de Axl, um senhor idoso cujo avançar da narrativa vai nos apresentando possuir mais que segredos, também possuir certo controle sobre suas lembranças, fato que fica claro num diálogo entre ele e Sir Gawain, em que a questão da seletividade das lembranças de Axl é afirmada pelo próprio Axl que deixa claro ter escolhido manter algumas lembranças esquecidas;

5 -  Além disso, caberá ao leitor optar entre o real e a fantasia, inclusive quanto a névoa provocada pelo bafo da dragoa Querig que teria os poderes de manter as pessoas sob o manto do esquecimento. No entanto, embora aparentemente mágico, a questão pode ser observada de uma forma metafórica, e a névoa poderia ser, inclusive, observada como se fosse o tempo agindo sobre as pessoas, apagando suas lembranças, ainda que, lá no fundo, tudo sempre estivera bem guardado;

6 - E o caráter metafórico do livro fica bastante explícito a partir do título do livro, O Gigante Enterrado, que embora possa uma leitura superficial indicar a presença de gigantes, a leitura para além da primeira camada textual vai nos deixar bastante explícito quando Axl revela a Beatrice que os velhos ódios seria o gigante, enterrado, mas prestes a se reerguer;

7 - E no fundo, é sobre isso que se fala neste livro incrível: os nossos rancores, as tentativas de pacificação que perduram pouco, o esquecimento que o tempo nos concede, ao mesmo tempo que nos trás tudo de volta, às vezes ressuscitando sentimentos de uma forma ainda mais brutal e insensível, Fala ainda sobre a constituição social que nos divide e impede qualquer tratativa de paz; fala ainda das aparências, da honra, dos atos cruéis que proclamam a paz, enfim, é uma obra que discute profundamente o comportamento social da humanidade, e o faz a partir da influência da memória neste processo todo;

8 -  Portanto, o livro é uma obra prima da literatura contemporânea e nasce um clássico imediato, e que certamente será estudado, pesquisado, debatido, e lido, pois alia as grandezas necessárias a uma obra de alta literatura, ao mesmo tempo que é possível ser lido como mero entretenimento, sem que se perca nada em nenhum dos sentidos, e isso, leitores, é algo extremamente difícil, e não sei, se feito com sucesso, por um grande número de autores;

9 - E ainda voltando às suas virtudes, eis toda sua construção, feita por uma técnica absurdamente incrível que deixará o leitor num limbo entre o real e o imaginário, pois no fundo, há uma subjetividade possível que permite-nos ver a obra num realismo fantástico em que a distinção entre o real e o imaginário é tão estreita quanto um fio de cabelo, desde os gigantes e dragões presentes até o último capítulo em que caberá o leitor julgar o que é metáfora e o que é concreto;

10 - Enfim, O Gigante Enterrado é certamente uma das mais importantes publicações dos últimos anos, numa obra que penetra em temas espinhosos em que a memória e a morte são apenas agentes que compõe um jogo de relações para muito além disso. O livro é fantasia, ao mesmo tempo que não é fantasia, é real, mas nos embriaga com dragões, gigantes, fadas e barqueiros; nos promete uma jornada épica ao passo que sombriamente nos revela a ação do tempo sobre nós, e ainda nos rouba a esperança diante gigantes que mesmo enterrados, se reviram pelos túmulos, numa ameaça contínua de guerras e incompreensão. O Gigante Enterrado é um soco na boca do estômago do leitor, que paradoxalmente, acaba gostando de ter sido socado.



3 Comentários

  1. Adorei a resenha, estou encantada. Quero ler o mais rápido possível!

    ResponderExcluir
  2. É o tipo de resenha que te faz comprar o livro. Ja inclui na minha lista.

    Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Pois é, pessoal, é de fato um livro que te muda. Muito interessante em todos os sentidos.

    ResponderExcluir
Postagem Anterior Próxima Postagem